Em Êxodo 4.22-23a Moisés é desafiado por Deus a ir se encontrar com o Faraó. Uma vez em contato, deve dizer-lhe: “Assim diz o
SENHOR: Israel é meu filho, meu primogênito.
Digo-te, pois: deixa ir meu filho, para que me sirva”.
Percebe-se nesta
passagem bíblica que o povo de Israel é entendido como filho de Deus. A relação
entre Javé (SENHOR) e Israel é apresentada como uma relação “pai-filho”. Trata-se de uma tradição antiga, cuja data de início
os exegetas (estudiosos da Bíblia) não tem como definir. Foi no tempo dos
profetas que ela se se enraizou na História. Esta “imagem” da relação
“pai-filho” sempre de novo foi retratada quando dos anúncios proféticos.
Em 750 a.C já
encontramos descrito com pompa no livro de Oséias, este tema básico que remete
para a relação “pai-filho”. Em Oséias 11.1-9 esta idéia parece estar
colocada como ápice de todo o Antigo Testamento: “Quando Israel era menino,
eu o amei; e do Egito chamei o meu filho. Quanto mais eu os chamava, tanto mais
se iam da minha presença; sacrificavam a baalins e queimavam incenso às imagens
de escultura. Todavia, eu ensinei a andar a Efraim; tomei-os nos meus braços,
mas não atinaram que eu os curava. Atraí-os com cordas humanas, com laços de
amor; fui para eles como quem alivia o jugo de sobre as suas queixadas e me
inclinei para dar-lhes de comer. Não voltarão para a terra do Egito, mas o
assírio será seu rei, porque recusam converter-se. A espada cairá sobre as suas
cidades, e consumirá os seus ferrolhos, e as devorará, por causa dos seus
caprichos. Porque o meu povo é inclinado a desviar-se de mim; se é concitado a
dirigir-se acima, ninguém o faz. Como te deixaria, ó Efraim? Como te
entregaria, ó Israel? Como te faria como a Admá? Como fazer-te um Zeboim? Meu coração
está comovido dentro de mim, as minhas compaixões, à uma, se acendem. Não
executarei o furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim, porque eu
sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; não voltarei em ira.”
Não há texto do
Novo Testamento que ultrapasse este grau de “calor”, de “intimidade” e de
“grandeza” que se explicita em Oséias 11.1-9. Pela boca do profeta Oséias, o SENHOR se coloca; se
apresenta como um Pai que revela toda atenção ao Seu filho.
Aqui é surpreendente que a expressão “pai” é entendida num
contexto muito diferente da prática usual entre os semitas. Normalmente era assim que o foco desta raça de
indivíduos sempre estava centrado na família ou no clã. No texto de Oséias que
acabamos de ler, observamos a “imagem” de um pai que se destaca pela sua
“essência interior”; pela sua “devoção; pelo seu “amor” e por sua
“magnanimidade”. Em suma, o texto nos apresenta um conceito muito moderno de
“pai”.
Entre muitos
exegetas, o profeta Jeremias é chamado de “discípulo espiritual” de Oséias. É
em Jeremias que vamos nos deparar novamente com o conceito de “pai” que vimos
em Oséias. Vamos ler Jeremias 31.20: “Não
é Efraim meu precioso filho, filho das minhas delícias? Pois tantas vezes
quantas falo contra ele, tantas vezes ternamente me lembro dele; comove-se por
ele o meu coração, deveras me compadecerei dele, diz o SENHOR.”
Na terceira parte
do Livro de Isaías, mais especificamente em Isaías 64.7-8, o povo de
Israel lembra o próprio Deus que Ele é seu “pai” e que, portanto, lhe cabe um
comportamento misericordioso: “Já ninguém há que invoque o teu nome, que se desperte e te detenha;
porque escondes de nós o rosto e nos consomes por causa das nossas iniquidades.
Mas agora, ó SENHOR, tu és nosso Pai, nós somos o barro, e tu, o nosso oleiro;
e todos nós, obra das tuas mãos.”
Na Bíblia não se aponta para o SENHOR apenas como um “pai”. Ora,
Deus ultrapassa o conceito de “sexualidade”. Quer dizer, as declarações
bíblicas apontam em igual número tanto para a “maternidade” de Deus como para a
“paternidade”. Deus é, ao mesmo tempo “pai” e “mãe” do Seu povo.
O Antigo
Testamento não enfatiza apenas o lado patriarcal de Deus. Em Isaías 49.15, podemos perceber que
Deus se compara com uma mãe: “Acaso, pode
uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça
do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu,
todavia, não me esquecerei de ti.”
Em Isaías
66.13 se lê: “Como alguém a quem sua mãe consola, assim eu vos consolarei;
e em Jerusalém vós sereis consolados.”
Além disso, no
idioma hebraico e, portanto, também nas mentes do povo hebraico, a compaixão
sempre é vista como um traço da personalidade materna.
A palavra
“misericórdia” (“rachamim” no Hebraico) se origina da palavra também hebraica “raechaem”. Esta
última palavra se equivale a “ventre” (cf. Êxodo 34, Oséias 11, Jeremias
31, etc.)
Nas fontes dos
antigos escritos mesopatâmicos percebem-se sinais que definem a palavra
“misericórdia” como algo na linha de “coração aberto”. Este sinal carrega uma
sigificação muito clara de “ampla segurança”. Quando
se aplica este símbolo para a “mulher”, daí resulta o conceito de mulher como o
de uma “imagem misericordiosa”. Na Mesopotâmia também é assim que quando se
fala em “misericórdia”, logo se pensa na palavra “mãe”.
O SENHOR se revela na “misericórdia” como “Alguém
Maternal”. Quando Deus tem compaixão pelas pessoas, então Ele se mostra tal
como uma mãe se mostra ao seu filho.