Busque Saber

7.6.12

CRIAÇÃO DE DEUS - Gênesis 1-3!



Gênesis 1.1-2.4

1. Acabei de ler o texto que dá início à Bíblia. “E agora José?” O que vou fazer com essa informação; com esse saber? Como é que estas poucas palavras “soaram” nos meus ouvidos?  “No princípio...”  Hummm!  Essa palavra mexe comigo? Ela desperta alguma dúvida dentro da minha cabeça? Vou estudá-la e depois repartí-la. O texto é grande e denso. Mas vale a pena... Abraços!

2. Carrego a impressão que a maioria de vocês, como muitos outros, também perceberam o ritmo deste texto; a poesia e a grandiosidade deste texto literário mexe conosco. Podem ter certeza: trata-se de uma palavra explendorosa.A forma como ela está escrita já dá o que falar; o que pensar. Dá gosto de ler; de ouvir o texto em questão. O autor desta obra foi corajoso ao gerir estas palavras que desnudam a idéia da ordenação; da estruturação absoluta do mundo; da vida. O texto não espelha nada que possa ser entendido como complexo. Nele tudo acontece a partir de uma “esquema” altamente significativo; compreensível e, ao mesmo tempo muito claro e simples.

3. Criação! Aqui estamos começando a nos envolver com um texto que foi produzido e ritmado no quinto século a.C. Ele soa como um estribilho; como um refrão: “Houve tarde e houve manhã.” (Gênesis 1.5b) Tardes e manhãs que tu e eu gastamos com nosso trabalho; com nossas obras. Sim, todos os detalhes foram colocados em ordem; tudo foi organizado no seu devido lugar; tudo tem um sentido de ser. Essa é a mensagem deste poema criado para informar sobre a criação do universo; do macro e do micro-cosmos; da matéria e da vida, em suas inúmeras formas e jeitos.

4. Pasmem! A Bíblia começa nos falando de “beleza” e de “ordem”. Nós sabemos muito bem a respeito do que não é belo; do que é caótico. O nosso dia-a-dia nos informa (coloca dentro de uma forma) sobre este estado de confusão. Quem de nós já não sofreu “calores desérticos”; já quase não se “afogou” nas “águas lodosas” do caos que, volta e meia, vem fazer visitas no contidiano? Coisa boa que existe este texto bíblico; este poema que aponta para a bênção da Criação de Deus. “E, havendo Deus terminado no dia sétimo a Sua obra, que fizera...” (Gênsis 2.2a) “...abençoou Deus o dia sétimo e o santificou...” (Gênesis 2.3a)

5. Sério! Nós deveríamos “cantar” este texto; recitá-lo em coro num grande coral. Nós deveríamos tirar tempo para ouvirmos a obra-prima de Haydn que, para compô-la, se inspirou neste pedaço da Escritura. Melhor do que isto: Nós deveríamos apresentar um “oratório” para poder fazermos parte deste grande Milagre da Criação. Este texto não se propõe a nos ensinar sobre a Criação, mas sim “sugar-nos” para dentro da mesma. Este texto não foi elaborado a partir de métodos científicos para que pudéssemos nos apoderar de seu conteúdo. Ele, em nenhum momento, carrega qualquer “intenção” de nos explicar ou de nos provar algo a respeito da Criação. O seu objetivo não é outro senão fortalecer a nossa fé. Nada mais, nada menos.

6. Nós só vamos entender o conteúdo deste texto quando admitirmos; entendermos a lógica como ele foi “contruído”, elaborado. No dia em que fizermos esta descoberta; que nos apossarmos desta sabedoria, aí então vamos ficar admirados com o homem de fé que se escondia no autor; vamos entender o testemunho que o referido escritor colocou no “mercado”. Nesse dia, esse mesmo texto que estamos estudando, vai “mexer” conosco, pessoas críticas que ainda não tiveram a chance de perceber a “chave” que abre a “porta da compreensão” de Deus; que “destranca o portão” que dá acesso à fé em Deus; que “escancara a porteira” que dá abertura à vontade de Deus nas nossas vidas.  

7. É triste, mas em todos os povos a “conjuntura do saber” tem se mostrado fria; fundamentalista e teimosa. Digo de outro jeito: Tal como “Don Quixote de la Mancha”, são muitas as pessoas que lutam com este texto como se lutassem contra “moinhos de vento” (inimigos). Muita gente tenta desmontar com teorias e hipóteses, aquilo que é informado neste conteúdo bíblico. Elas têm a intenção de anuviar tudo o que já foi cientificamente comprovado a respeito deste assunto cristão. Não é por aí o caminho! Sejamos humildes e coloquemo-nos em postura de aprender (apreender).

8. Este texto tem bem outro objetivo. Ele quer nos inspirar a descobrirmos; a forjarmos a nossa própria resposta a respeito do sentido de todas as coisas; sobre o significado da doação; sobre se somos capazes de explicar esse “tudo” ou se estes versículos são mesmo misteriosos e, por isso mesmo, incompreensíveis. O texto nos convida a elaborarmos uma resposta pessoal às perguntas que dele emergem. Esse é o maior objetivo do conteúdo expresso no primeiro capítulo de Gênesis; no portal de entrada da Bíblia. Cai no vazio; erra quem pensa poder usar um texto como este (e outros semelhantes a este) com o objetivo de tentar provar que a Bíblia está certa; que a Bíblia tem razão. 

9. A validade desta declaração bíblica não carece de nenhuma prova. A validade do referido texto se desenrola sem pressão e sem qualquer dogmatismo. Isso é assim porque o texto de Gênseis 1.1-2.3 se abre a todas as pessoas que se envolvem na busca do significado mais profundo desse conteúdo. Quem “mergulha” no mesmo com vontade de entender, acaba descobrindo que o conhecimento (Ciência) e a fé não precisam contender entre si; não precisam concorrer um com o outro. A fé e a Ciência são elementos que se complementam quando se está em busca do conhecimento como um todo. 

10. As irmãs e os irmãos que fazem esta descoberta, crescem e se desenvolvem; reforçam sua fé. “No princípio, criou Deus...” (Genesis 1.1a) Esta palavra rejeita a aleatoriedade, promotora maior da futilidade; do que é sem sentido. As sete letras da palavra “sentido” apontam para o propósito da nossa existência. Aqui não se está especulando e recalculando o “x” da questão. Ciência e fé se complementam. Sim, os cientistas calculam que a terra tem 13,7 bilhões de anos. Já os textos bíblicos não se ocupam com cálculos matemáticos precisos do tempo; da cronologia. A Bíblia reflete sobre o todo; sobre as razões mais profundas do porquê isso é assim; do porquê aquilo é “assado”.  

11. Não que esses “detalhes” não sejam importantes. Estes cálculos e recálculos ajudam a aplacar a “sede” humana pelo conhecimento. Quem de nós quer lutar contra isso? Está mais do que claro que se deva continuar fazendo mais e mais pesquisas que, por sua vez, vão aumentar o nosso saber. Quanto mais aprimorado o nosso conhecimento, mais admiração e respeito teremos. Fazer perguntas e buscar respostas, isso sempre é mais do que nossa obrigação. Não nos cabe ficar parados. Como é que  o mundo foi formado? Como é que ele se desenvolveu? Como eram as coisas antes das perspectivas da Criação? Estas perguntas devem continuar sendo feitas e as suas respectivas respostas precisam continuar sendo buscadas, mesmo que se depare com limites. 
12. A rígida e propalada teoria do “Big Bang” não tem poder para matar a fé. O conhecimento sempre maior não vai expulsar a fé do coração da cristandade. Que tipo de fé seria esta que, diante dos sinais de Conhecimento, decresce? Essa seria uma crença alicerçada numa Proposta de Fuga. Não!  Isso não é cristianismo... Que tipo de parceria de confiança e amor seria essa que diminui, à medida que os parceiros se conhecem mais e mais?

13. Ciência e Fé não competem entre si. As categorias de Conhecimento e de Fé são tão diferentes entre si que só podem ser complementares.  Aqueles de nós que perguntam pelo “como” das coisas ainda não obterão a resposta do “porquê” e do “para quê” destas mesmas coisas. O fato é que sabemos muito pouco a respeito do “como”; do “porquê” e do “para quê” das coisas. Em vista disso vamos tocando a nossa vida diária, sem darmos muita atenção àquilo que já sabemos ou deixamos de saber sobre a criação do mundo. Daí que, neste momento, sugiro um “mergulho” no “lago” do “Reino do Conhecimento”. 

14. O globo terrestre gira em torno do seu eixo a uma velocidade de 1000 km/h. Esse mesmo globo terrestre no qual construimos nossas casas, gira em torno do sol a uma velocidade de 100.000 km/h. Tudo muito bem, tudo muito bom. Mas isso ainda não é tudo. Todo o nosso sistema solar gira em torno da Via Láctea a uma velocidade de 800.000 km/h. Reflitamos, só por um instante, diante desses números... É algo fora de série – certo? Nós não deveríamos estar experimentando uma tremenda vertigem, enquanto vamos levando a nossa vida entremeio todo esse “rodopio”? Até onde eu consigo perceber, estamos tranquilos. Nada atrapalha a nossa concentração. Não existe nenhum “solavanco”. As cortinas dos nossos aposentos nem sequer balançam. Isso não é fantástico? 
15. Claro que é! Agora, nem tudo o que se descobre dentro da Natureza pode ser denominado como “fora de série”; como “fantástico”. Hoje em dia, aqui e ali, são feitas descobertas que até nos promovem ansiedades e preocupações: Quais os “riscos” e quais os “perigos” que estes “achados científicos” podem nos promover? Até que ponto este “novo saber” pode nos desestabilizar? Cada um de nós aqui já ouviu falar de “chavões” (sensacionalistas ou não) que, muitas vezes, acabam brotando de “descobertas desagradáveis”. Cito dois: Chuva ácida; gripe aviária... Qual é o último “chavão” gerador de “medo” que, neste momento, está sendo “ventilado”?... Observem que, em dados momentos, o melhor e mais profundo “conhecimento” não nos serve para quase nada. Além do “conhecimento” precisamos, constantemente, “alimentar” nossa fé e nossa confiança de que a tal “descoberta” vai promover o “bem comum” (justiça). Sim, nós precisamos ter a garantia de que, apesar do “risco” experimentado, a nossa existência continue fazendo sentido.

16. Como falar de Deus, o Criador, no meio de todo este “barulho”? As primeiras palavras do Livro de Gênesis nos presenteiam com uma informação extremamente densa e isso, a partir de uma forma poética - como já vimos. A Bíblia diz que que no “princípio” só havia a realidade do “cosmos”; que na “origem” só havia o cosmos, mas não o caos; a ordem e a beleza, mas não o deserto e o vazio. A palavra explicita que no “começo” de tudo o “cosmos”; a “ordem” e a “beleza” definiam a nossa existência. É isso que o texto bíblico de Gênesis 1.1-2.3 nos deixa claro, logo nas primeiras palavras escritas.  Alguém de nós poderia usar o “espaço aberto” aqui nesse diálogo para fazer uma pergunta crítica: Não estamos “minimizando” a Palavra Deus dando tanta atenção à Ciência? Uma tal pergunta se justifica. Foi neste contexto que Martin Buber* se perguntou: “Como é que você consegue falar sempre de novo a palavra “Deus”“? Existe na Linguagem Humana uma palavra que já tenha sido tão manchada; tão mal utilizada como esse substantivo próprio “Deus”? Em vez de, a toda hora, citarmos o Seu Nome, não deveríamos ter uma postura mais silenciosa; mais meditativa; mais respeitosa tal como os judeus a exercem?  

17. (*Martin Buber era judeu. Nasceu em Viena no dia 08 de fevereiro de 1878. Foi filósofo, escritor e pedagogo. Era poliglota (Iídiche, Alemão, Hebraico, Francês e Polonês). Sua formação universitária se deu na Áustria. Em suas publicações, sempre enfatizou que não há existência sem comunicação e diálogo; que os objetos não existem sem a interação. Para ele as palavras, Eu-Tu (relação) e Eu-Isso (experiência), demonstram as duas dimensões da filosofia do diálogo que abarcam a existência. Buber defendia que o homem possui a capacidade de inter-relacionamento com seu semelhante, ou seja, a inter-subjetividade (relação entre sujeito e sujeito e/ou sujeito e objeto). O relacionamento, segundo o filósofo, acontece entre o “Eu” e o “Tu”, e denomina-se relacionamento “Eu-Tu”. A inter-relação advinda daí envolve o diálogo; o encontro e a responsabilidade entre dois sujeitos e/ou a relação que existe entre o sujeito e o objeto. Inter-subjetividade, é umas das áreas que envolve a vida do homem e, por isso, precisa ser refletida e analisada pela filosofia, em especial pela Antropologia Filosófica.) Pesquisa: Wikipédia (Enciclopédia Livre)

18. Buber deu uma auto-resposta: “Sim, a palavra “Deus” é o substantivo mais carregado de todas as palavras humanas. Nenhuma foi tão manchada e tão dilacerada como ela. É é exatamente por isso que eu não renuncio ao seu uso. As pessoas têm jogado o peso de suas vidas ansiosas sobre a palavra “Deus”. Agindo assim, acabaram vulgarizando a mesma. Hoje a palavra “Deus” encontra-se na poeira e lá, ela carrega todas as “cargas” da humanidade. Os homens e a mulheres usaram seus “Partidos Religiosos” para “dilacerarem” a palavra “Deus”. Agindo assim, mataram “Deus” e, por causa disso, também morreram. A palavra vilipendiada “Deus” traz as marcas de todas as impressões digitais da humanidade; ela está manchada com seu sangue. Mas pensem bem! Onde é que eu posso encontrar uma palavra que se assemelhe à palavra “Deus” que designe o que é “Mais Alto”! Se eu tomar a palavra mais “pura”; mais rica dos “tesouros” guardados em bibliotecas; mais bem guardada pelos filósofos, ainda assim eu só poderia expressar algo mentalmente evasivo e pobre sobre “Deus”. Esta nova palavra não teria a mínima capacidade de retratar “Àquele” que as pessoas,  de um modo geral, rebaixaram ao nível do pó. Sim, podemos usar a palavra “Deus”. Não temos a capacidade de limpá-la. Nós também não temos a capacidade de colocá-la no lugar que ela merece, mas nós podemos, isso sim, levantá-la do chão, tal como lá se encontra e, junto, meditarmos nela durante uma hora”. 

19. Sim, esta história do “princípio” (descrita em Gênesis) e da “qualidade da vida” nos fortalece a crença de que há um sentido para nós na Criação de Deus. De repente também nós vamos ter problemas com as nossas “concepções antropomórficas” (antropomorfo = Que, pela forma, se assemelha ao homem) de Deus. Os autores dos textos bíblicos também tiveram que “trabalhar” com problemas desse nível. Eis aí um dos mistérios que, em última análise, também nos alcança. O verdadeiro Deus Criador não é apenas um Deus ao qual podemos nos achegar, mas um Deus que vem ao nosso encontro; que entabula uma relação conosco. O filósofo Martin Buber chamou a “qualidade dialógica” desse Deus como sendo um encontro cara-a-cara de Deus-Comigo; Deus Conosco.

20. Devemos nos calar? Devemos ficar mudos diante de Deus e não dizermos absolutamente nada ao Criador que falou a Palavra Original; que oportunizou o Diálogo com a Sua Criação; que se tornou acessível à Sua Criação – acontecesse  o que acontecesse? Podemos nos dirigir a Deus com a segunda pessoa do singular “Tu”. Podemos dialogar criativamente com Deus. Afirmo isto porque parto do pressuposto que esta “qualidade dialógica” já está implantada em nós. Como? Ora, respondam-se a si mesmos: O que é que chama a atenção neste texto? Onde é que vocês ficamos “presos” por causa das “algemas do espanto” ou por causa de “questões” que, interiormente, “mexeram” conosco?  Onde é que tivemosliberdade para dizer “amém” para algum dos aspectos da beleza da Criação de Deus? Onde foi que a nossa alma sorriu, enquanto estávamos vendo aspectos do referido texto? Onde foi que o nosso rosto se enrugou por causa de perguntas que ficaram sem respostas? Qual o assunto que mais gostaríamos de abordar aqui e agora?  

21. A resposta silenciosa de vocês pode estar indicando que estamos dentro do “Diálogo Original” com Deus. Porque isso está sendo verdade? Ora, porque estamos tomando do nosso tempo para nos aprofundarmos neste assunto. Enfim, porque estamos aproveitando a oportunidade de nos “apoderarmos” da Bênção desta descoberta a respeito da Criação. Certamente podemos fazer alguma coisa para bem usar os conteúdos até aqui apreendidos. Não estaríamos participando desse “Momento” se não tivéssemos tido um mínimo de esperança “latejando” em nós. Viemos até aqui para buscar “alimento” que mantenha nossa fé – força que todos nós necessitamos. Ninguém de nós estaria aqui se, no passado, algumas pessoas das nossas relações já não tivessem tido estas mesmas necessidades que estamos tendo. Nós simplesmente necessitamos dessas “horas tranquilas” para podermos descobrir; entender; levarmos a sério a grandeza da Criação de Deus. É por isso que não assumimos outro compromisso nesta hora. Como é que poderíamos ter feito estas descobertas se não fosse esse momento vivido?

22. A paz e a bênção do sétimo dia da Criação se celebram na Ressurreição de Jesus Cristo. Para nós o “domingo” é sempre o “sábado da Bíblia” (sétimo dia) e, ao mesmo tempo, o primeiro dia da Criação no seu todo. Assim, estamos conscientes de que Deus não só completou a Criação (toda a Sua obra) no sétimo dia, mas continua completando, dia após dia, hoje e no futuro.

Gênesis 2.3b-17

Gente querida! Estamos tratando de um texto marcado pela poesia e que, portanto, não tem absolutamente nada a ver com História... Daria para se dizer que este texto de Gênesis 2.3b-17 brota de dentro do “Mundo dos Sonhos”, não do mundo em que vivemos aqui no chão.

23. O “paraíso” é um jardim repleto de doces frutos. Ele se localiza ao leste do mundo. É dele que partem os quatro pontos cardeais do mundo – ele está no centro do mundo. Dele sai a água que agoa a terra; o globo terrestre. Ele é um “oásis” gerador de vida no meio de um deserto. Esse “jardim”, doce e fértil, é chamado de Éden. Ele, o “paraíso”, se encontra fechado; bloqueado; proibido para as pessoas. Elas, no entanto, têm o desejo desenfreado de retornar ao mesmo; de retornar às suas origens; de voltar à inocência para  continuar “sonhando”...  

24. Vocês conhecem esta história que acabamos de ler em Gênesis 2.3b-17. Ela se reporta aos “começos” da vida; ao “paraíso”. Todo mundo conhece esta história como a “História do Paraíso”. Notem que a palavra “paraíso” nem consta no texto em questão. Este lugar é denominado de “Éden” que, traduzido, quer dizer “Felicidade”. Para nós, leitores da Bíblia, é interessante esta leitura. Na Bíblia, quase sempre, só se fala de “estepes” e de “deserto”. Aqui se está falando de “felicidade”; de “paraíso”; de “oasis”. No Antigo Israel as pessoas estavam acostumadas a lutar com a natureza em busca da “água vivificante”. Hoje em dia não existe nada de muito diferente naquelas paragens. Os profetas modernos dizem que não vai demorar muito e os israelitas vão iniciar mais uma guerra com os países vizinhos com o objetivo da obtenção de água. Por incrível que pareça, nós estamos rodeados de água aqui no Brasil. Nos últimos meses até tivemos que conviver com a força das mesmas. No Oriente Médio é diferente. Lá o calor é impiedoso, se luta pela sobrevivência, buscando-se; desgastando-se na busca de água. 

25. A História nos relata que o “paraíso” é terra fértil; que dentro dele existe uma “fonte” que não deixa faltar água. Esta fonte se subdivide em “quatro fontes”  menores, das quais temos conhecimento de duas: o rio Eufrates e o rio Tigre. O “paraíso”, como foi imaginado pelos antigos, tinha o seu lugar geográfico aqui neste mundo. Não se tratava de um “sonho”, mas considerava-se-o como algo muito real. Cria-se que Deus o tinha criado dentro do “caos”. “No início Deus criou o céu e a terra e a terra era sem forma e vazia” – diz a Bíblia. No Hebraico Antigo se dizia que esta terra era “toho” e “waboo”. A palavra hebraica moderna é “Tohowaboo” e significa que “em meio a um mundo desordenado” nasce a “ordem”; que a “mão reguladora” de Deus organiza as “coisas”, a partir de Sua Palavra; que Deus cria “ordem” neste “Tohowaboo”. É aí então que o “caos” se transforma em “paraíso”.

26. O “paraíso” é uma palavra que remete à saudade; ao sonho do céu na terra; ao sonho do “País das Maravilhas” onde os “pedaços de frango frito voam para dentro da nossa boca”; onde sempre se pode explicitar “três desejos”... Fixamos nossos pensamento nele; no misterioso “Jardim do Éden”; no “Paraíso” intocado, inocente e vigiado. Nele está o refúgio para a alma assustada. Ele é o “bálsamo” para o coração ferido. Eu já escrevi no início que esta história não deve ser vista como sendo “histórica”, mas como “poesia”. Sim, a história do “paraíso” é um mito. Ela brota das profundezas da experiência humana. Cada povo conta esta mesma história, sempre com alguma diferença de conteúdo (mesmo sem conhecer a Bíblia). Carl Gustav Jung (Psiquiatra suíço e fundador da Psicologia Analítica, também conhecida como Psicologia Junguiana), famoso discípulo de Sigmund Freud (médico neurologista, judeu austríaco, fundador da Psicanálise) diria que, neste texto, se percebe o “arquétipo” de uma informação firmemente ancorada em diferentes culturas como imagem na imaginação humana. 

27. Os povos sempre precisam saber; ter uma ideia, quanto mais clara possível, de como tudo começou; de como foram as suas origens. Daí que, mesmo sem o “conhecimento científico” de como começou o mundo; mesmo sem saber “dados” e “fatos” se conta esta história que, na realidade, não aconteceu. Mas é importante saber sobre o “início de tudo”. Mais importante ainda é saber que o “início” foi bom...
28. O “mito” amarra o início da história humana na “sabedoria” de Deus. O “mito” tenta explicar que mesmo as pessoas sendo vertebradas, tal como os macacos e os burros; que mesmo que o ser humano tenha uma certa “afinidade genealógica” com as aves e os peixes; que mesmo que cada animal (do camelo à serpente) tenha o seu “caráter específico” e que, este, aqui e ali, se pareça com o caráter da mulher e do homem, foi Deus quem o criou a partir da Sua “sabedoria”. Nada aconteceu casualmente e absolutamente nada está errado na História, mas toda existência foi criada por Deus, assim como ela se apresenta (tanto a espécie humana como cada indivíduo). Os “mitos” são narrativas que fazem transparecer a realidade da nossa existência; que nos abrem os olhos para a verdade que se encontra por trás da realidade dos fatos que vivenciamos. É por isso que eles, os “mitos”, são tão importantes.

29. Os “mitos” nos dão uma idéia de Deus e de suas ações. Eles são as descrições daquilo que é indiscritível. Eles contam uma verdade. Esta é a sua função mais profunda. Houve tempos em que não se levava os “mitos” tão a sério. Isso foi um erro. Hoje sabemos que simplesmente precisamos dessas histórias antigas, enquanto buscamos; pesquisamos a verdade. Os “mitos” podem nos ajudar a descobrir a verdade. Nós não estamos buscando a “verdade” que os cientistas modernos buscam; que os filósofos perseguem. A “verdade” que buscamos só pode nos dar uma “idéia”; uma “luz”; sugerir uma pequena resposta e, mesmo assim, depois disso, nos sobrevirão mais e mais perguntas... Essa “verdade” que buscamos é uma “verdade” alicerçada em “terrenos movediços”. Observem que esse “mito” aponta para uma “realidade”: o “paraíso”.

30. A história do “paraíso” se mistura com o “início” e a “origem” das pessoas, tal como a “criação” se mistura com a sabedoria de Deus. A fé sabe essas coisas e “encastela” esse saber no coração. É dali que brota a esperança e a confiança nas perspectivas da vida. O que nos rodeia; onde vivemos e respiramos; de onde viemos e porque estamos aqui; isto tudo é oriundo da “sabedoria” de Deus: Ele quis isso; Ele fez isso e é por isso que Ele nos rodeia com Seus cuidados; nos oportuniza Sua paz e isso, desde o começo.  

31. É por isso que esta história a respeito do “paraíso” nos é contada. Ela é uma história que visa nos promover conforto. Somos criaturas de Deus e não um produto do acaso. Essa realidade nos dá um lugar. Nós não estamos “pendurados” por aí, entre o céu e a terra; não fomos criados em algum espaço dentro do infinito do Universo; não somos criaturas sem teto que “viajamos” como um cometa e depois nos extinguimos. Não, desde a nossa origem somos abrigados no “paraíso”, um lugar de paz; de abundância e de conservação. Essa é a boa lembrança que esta história evoca em nós.  

32. Nós sempre entendemos que esta segunda “História da Criação” era o “Segundo Relato da Criação” ou seja: que este “relato” estava colocado depois do primeiro. Isso não é bem assim. Esta segunda narrativa da Criação está ligada à primeira. Há diferenças, sem dúvida. Diferenças que são derivadas de diferentes objetivos de quem as contou. Abro um parêntes: De repente, até na Igreja, se encontrem pessoas que estejam interessadas neste assunto. Essam pessoas criam um espaço para tratar deste assunto. 
33. Aqui, bem aqui nesta história antiquíssima a respeito do “paraíso”, o “homem” está no início da Criação. O “restante” da Criação vai sendo construido ao seu redor. Neste segundo texto que estamos estudando, o homem é a primeira “obra” da Criação. Nele, Deus sopra do Seu fôlego nas narinas do homem. O “restante” é feito por Deus sem muita “proximidade”. O homem é “enchido” com vida pelo sopro de Deus. Esta “respiração” de Deus não se assemalha ao ar que enche nossos pulmões. No momento da Criação do homem Deus dá; Deus doa; Deus reparte  algo de si para a Sua criatura. É assim que a alma do homem é formada. Uma parte da sabedoria de Deus; uma parte da Sua vontade de se comunicar; uma parte do Seu amor; uma parte da Sua graça passam a fazer parte do homem criado. Quer dizer, tu e eu carregamos uma espécie de “sinal” de Deus em nós. Noutras palavras: Deus vive em nós. Em muitas pessoas Ele está tirando uma “soneca”... Nós podemos despertá-lo. Nós podemos reagir ao presente da Sua presença em nós.

34. Quando me recordo do dia 11 de setembro de 2001, me paro a refletir no que se sucedeu depois. Na Alemanha as Igrejas encheram-se de pessoas que oravam e cantavam; que ouviam a Palavra da “sabedoria” de Deus. Aquelas atitudes não eram impulsivas. Era o “sopro de Deus”, que acordava gentes naquele momento de necessidade; de dor. Era o sopro do Todo-Poderoso que, naqueles dias, aproximava as pessoas para lhes acalmar as almas; para lhes oportunizar a “livre respiração”, entremeio às restrições da vida cotidiana. Digo isto com os sentimentos não adormecidos: Na verdade tragédias não são boas para se descobrir Deus e a vida eterna. Infelizmente é isso o que acontece com muitos. Crises levam a Deus, mas quando a memória da crise se desvanece, daí então a lembrança de Deus desaparece. Que pena!

35. Quando a lembrança de Deus é esquecida, daí então o sopro de Deus se mistura; se mascara com a respiração dos nossos pulmões. Deus queria que o “paraíso” começasse a valer nestas pessoas, mas não deu certo. Não precisamos vivenciar Deus somente a partir de uma tragédia; Não precisamos vivenciar situações limítrofes para “experimentar” o sopro de Deus em nossa vida. Também podemos nos encontrar com Deus num encontro com amigos. O fato é que: O que vem de Deus, não pode vir a ser perdido. Nós carregamos o sopro de Deus dentro de nós e, porque isso é verdade, temos um pouco de “divindade” em nós. Nós sentimos que a nossa fé; que a nossa esperança e que o nosso amor têm a marca da respiração de Deus.

36. “Paraíso” – meu olhar está ansioso para o “início de tudo”. Lá tudo é fecundo. Lá a simpatia está presente. Lá Deus é Deus e o homem é homem. Ele traz em si o sopro divino para viver a vontade divina; para sentir a inocência sonhadora. No “jardim” que, por curto tempo, ainda é denominado de “Eden” o homem quis andar só; se irritou com a “canga” e isso o fez sair dali para encontrar seus próprios caminhos; para crescer em liberdade; para se relacionar com e errar pela impaciência.

37. O “paraíso” não existe mais. Aprendemos isso todos os dias, de muitas maneiras. Certamente há, aqui e ali, em nossas vidas, momentos celestiais: quando um sonho se torna realidade; quando a paz vem nos visitar; quando não sentimos medo e não somos oprimidos por pressentimentos; quando somos “encharcados” de amor. Nestes momentos experimentamos o que é celeste. Sim, há momentos que são celestiais. Mas sabemos que não se trata do “paraíso”. Não há caminho que leve de volta ao “paraíso”.

38. Certamente a nossa perspectiva está determinado pela visão de “um novo céu e de nova terra”, a Nova Jerusalém, descrita no final da Bíblia, no Livro do Apocalipse. Nesse dia, o que agora nos oprime, não contará mais com a mínima força. Tal como a narrativa sobre o “paraíso” descreve nossa origem, assim também a descrição da Nova Jerusalém nos descreve o nosso fim. A Casa de Deus está aberta para os homens. Deus vem habitar nesta casa junto com os homens e eles serão o Seu povo e Ele será o seu Deus.

Gênesis 2.18-24

39. Mulheres e homens exercem atração uns pelos outros. Não é preciso fazer grandes estudos para constatá-lo. O desejo último dessa atração é conviver, é viver em conjunto, é partilhar a vida solidariamente. O fato de que o número de separações de casais cresce assustadoramente, não muda nada nisso. Também pessoas separadas buscam uma nova chance para reconstruir a vida em companheirismo e partilha. E o espaço privilegiado desse conviver e partilhar é o matrimônio. Sabemos que também o matrimônio é marcado pelas características muito humanas do casal, mas nem por isso deixa de ser espaço privilegiado de vida com sentido, com amor partilhado, com solidariedade radical. É uma pena que se fala pouco dos milhões e milhões de casais que caminham, desfrutam e partilham a vida juntos até a velhice. Casais que vão bem não rendem notícia e nem vendem jornal, e nas novelas aparecem, quando muito, à margem da trama central. Mas, mulheres e homens se encontram e se relacionam também na sociedade, no trabalho, na rua e nas igrejas, sem necessariamente assumirem compromisso último uns pelos outros. Também esse relacionamento pode ser prazeroso, construtivo, solidário, bonito simplesmente.

40. O nome “Adão” não é apenas o nome do primeiro homem. Na Língua Hebraica significa “ser humano”. Vai daí que, muitas vezes, o que é “dito” sobre Adão no Antigo Testamento também vale tanto para os homens como para as mulheres. Esta história antiquíssima é emocionante. Adão vive solitário. Deus é sensível e percebe sua solidão. Essa percepção não é boa. É preciso fazer alguma coisa. Claro, Adão precisa de companhia mais seleta. Sim, Deus percebe que nenhum dos animais criados por Ele tem a “capacidade” de ser “parceria igual” para Adão. Assim, Deus permite que Adão mergulhe num sono profundo. Enquanto Ele dorme, Deus lhe retira uma costela e dela cria a “Eva”. Adão se entusiasma com ela porque descobre que são “parceiros”. Aqui neste relato da História da Criação aparece, pela primeira vez, o sentido do matrimônio na Bíblia: O CASAMENTO É UMA BOA “FERRAMENTA” QUE, ENTRE OUTROS “BENEFÍCIOS”, AJUDA A “DESBANCAR” A SOLIDÃO QUE O SER HUMANO SENTE; EXPERIMENTA.

41. Não é novidade, porém, que esse relacionamento muitas vezes é complicado. A História da Humanidade e a História das Igrejas nos ensinam que uma dessas dificuldades reside no fato de existirem discriminações de gênero; discriminações entre homens e mulheres, via de regra, de homens em relação às mulheres. Temos que admitir e confessar que teólogos e Igrejas inteiras contribuíram e ainda contribuem para que isso seja assim. A mulher, segundo essa Teologia, é inferior ao homem. E há passagens bíblicas que até podem ser lidas nesta linha. Mas olhando o todo da mensagem bíblica, se evidencia uma imagem bem diferente. Observemos com cuidado as primeiras páginas da Bíblia que tratam desse assunto.

42. Adão dorme e Deus age. O mesmo Deus que criou tudo o que existe e que viu que sua Criação era boa age. Adão, antes disso, se limitara a estar no “paraíso”. Até ganhou a tarefa de dar nome aos animais. Mas foi o próprio Deus que constatou não ser bom ao homem estar só! Por isso Ele criou a mulher “uma ajudadora que fosse como a sua outra metade” ou, na versão mais antiga, “uma auxiliadora que lhe fosse idônea”. Para dizê-lo logo: Em nenhuma das duas traduções está escrito que Deus fez uma empregada; uma faxineira; uma diarista honesta e pontual! Aliás, em nenhuma tradução séria, em qualquer idioma, se poderá ler isso. Muito pelo contrário: Deus cria alguém sem o qual o próprio Adão é só parte. Pobre Adão se Deus não lhe viesse em socorro: Deus vê a sua solidão e lhe cria uma companheira. Como se isso não bastasse, é Deus quem apresenta a mulher a Adão. Imagino que Adão estava estupefato, quem sabe ficou vidrado naquela pessoa que Deus lhe apresenta: “Agora sim! Esta é carne da minha carne e osso dos meus ossos. Ela será chamada ‘mulher' porque Deus a criou do homem” (v.23).

43. É uma pena que no Português as palavras para designar homem e mulher sejam tão diferentes, a ponto de a gente nem entender muito bem a lógica de Adão. Isso tem a ver com a própria língua. No Hebraico a palavrinha para designar mulher e homem tem a mesma raiz. O feminino tem apenas uma letrinha a mais. Daí a lógica na exclamação de Adão. A dificuldade que existe no Português, existe também no Alemão. Lutero tentou solucionar o problema criando uma palavra. Homem é “Mann” e ele fez o feminino “Männin”. Na verdade, o feminino de “Mann” é “Frau”. A sugestão de Lutero não vingou! Sabe-se lá quanto estas palavras tão diferentes contribuíram para uma infinidade de absurdos na interpretação do nosso texto. Mulher e homem, homem e mulher são semelhantes, dos mesmos ossos, da mesma carne - esta é a mensagem que o texto deseja transmitir.

44. Não que se ignorem também as diferenças, mas estas não são hierárquicas! Por causa delas um não é melhor do que o outro. Mulher e homem têm papéis diferentes já na procriação, têm aptidões diferentes, têm dons diferentes, assim como, aliás, os seres humanos em geral, sem distinção de gênero, têm dons diferentes. O mundo que temos em boa parte é fruto da multiplicidade de dons. Ninguém pode ignorar os benefícios de descobertas, avanços e desenvolvimento em todas as áreas da vida. Vivemos e desfrutamos esta realidade. Mas seria cegueira e pecado ignorar que o mau uso de capacidades e dons do mesmo ser humano está pondo em risco toda a existência do planeta e da vida. No entanto, não se podem atribuir méritos ou culpa diferenciada aos homens ou às mulheres só por serem de sexo diferente.

45. Mas é justamente isso que aconteceu, sob inúmeras, formas na História da Humanidade. E a História da Igreja, em particular, está marcada por isso. Houve e há momentos em que a Teologia afirma que a mulher é a grande culpada da perda do “paraíso”. Diz-se que ela se deixa “levar na conversa”. Omite-se o fato de que Adão também se deixou “levar na conversa”! A partir daí toda a sexualidade - centrada na mulher - passou a ser encarada como pecado. Num momento obscuro da História da Igreja, mulheres - sempre as mulheres - foram queimadas por serem entendidas como bruxas. A criação de irmandades e conventos, sem dúvida tinha sua motivação na fé, mas carregava também o objetivo da pureza e da virgindade, enquanto que os mosteiros masculinos - com toda a sua seriedade de fé - eram uma forma de fugir da “tentação da carne”. Na raiz do celibato cristão está também a suposta pecaminosidade do sexo. Lutero, dando destaque aos dons que Deus dá e casando-se com a ex-freira Catarina, deu um passo decisivo em direção do entendimento de homens e mulheres como parceiros. Isso não foi simplesmente sua descoberta, mas é resultado de muita leitura bíblica. Não lhe poderia passar despercebido que Jesus tomava mulheres e homens a sério como criaturas de Deus por Ele amadas, tanto que, mais de uma vez, entrou em choque com a sociedade de sua época pelo jeito dela se relacionar com as mulheres. É claro que, por vezes, o apóstolo Paulo também se mostra por demais como um filho do seu tempo!

46. Será que nós, gerações modernas e pós-modernas aprendemos a lição? Ainda não. O movimento feminista, entre outros, logrou abrir espaços e pôr em nossas cabeças outras perspectivas. Poderíamos dizer que em boa parte das mulheres e dos homens assumem funções de liderança lado a lado. Poderíamos invocar o fato de que em diversos países as governantes são mulheres. Isso, porém, não nos deveria levar à falsa conclusão de que já compreendemos Gênesis 2. Quantas Igrejas, por exemplo, não admitem o Ministério Feminino? É fato notório que, em geral, os salários das mulheres, em funções idênticas às de homens, são menores. Nas famílias continua a realidade de que as mulheres fazem dupla e tripla jornada, porque a elas estão afeitas “as lides da casa e o cuidado com os filhos”. A violência contra a mulher nos lares fez com que, não só no Brasil, surgissem Delegacias Especiais para atender mulheres que sofrem violência em casa de parte de marido ou companheiro.

47. Será que tudo está perdido? Não, não mesmo. Já foram alcançadas muitas coisas. Também já cresceu o reconhecimento de que mulheres e homens podem viver; partilhar e compartilhar a vida na família, no trabalho e na sociedade. E não deixa de ser imensurável a bênção que casais e famílias vivem por terem aprendido a riqueza da diversidade de dons, de sexo, do conviver e repartir dos diferentes dons. O mesmo se pode dizer de ambientes de trabalho onde impera companheirismo autêntico. Continuamos tendo tarefas. A pós-modernidade por si só não nos tornou mais humanos, compreensivos, solidários. Para isso teremos que sentar continuamente na escola da Sagrada Escritura e ouvir as vozes de tantas testemunhas que perceberam a grandeza da criação como um todo, um conjunto, uma convivência e uma partilha. O amor indiscriminado de Jesus pelo ser humano como tal precisa inquietar-nos e colocar-nos no caminho bom para os seres humanos, para as criaturas, para o mundo. E um desses caminhos bons pelo qual devemos agradecer é termos nascido mulheres e homens dos mesmos ossos, da mesma carne.

Gênesis 3.1-24

48. O texto de Gênesis 3.1-24 é muito conhecido. Esse fato oportunizou e sempre de novo oportuniza muitas informações a seu respeito. Informações que, na maioria das vezes, não tem muito compromisso com a verdade expressada. A história que acabamos de ler pode ser resumida em cinco frases. Em cada uma destas frases eu insiro cinco “palavras chaves” que nos acostumamos a ouvir, quando este texto é enfocado. Notem que nenhuma destas “palavras” pertencem à referida narrativa Vamos lá:  

49. Adão e Eva vivem no paraíso. O diabo aparece à Eva travestido de serpente. Ele seduz Eva a comer a maçã proibida que, ato contínuo, ela mesmo também oferece a Adão. Este pecado, foi o estopim que levou Deus a expulsar o casal do Jardim do Éden; promove dor e dificuldades, tanto a eles como aos seus descendentes e isso, até os dias de hoje. 

49.1. Trata-se do pecado original. Eu já dissolvi esse “quebra-cabeças” quando sublinhei as tais “palavras chaves” no parágrafo anterior. As cinco palavras são “paraíso”; “diabo”; “maçã”; “pecado” e “pecado original”. A palavra “paraíso” é sinônimo tardio para “Jardim do Éden”. O texto que estamos estudando não fala em “maçã”. A palavra “pecado” é um substantivo que se usa para nominar a “desobediência a Deus”. Esta palavra também não ocorre no texto original. Um pouco complicada de ser entendida é a palavra “pecado original” (Não querer que Deus seja Deus) que, diga-se de passagem, já vem sendo usada pela Igreja desde antes da Reforma.

50. Muito, mas muito errado é a tentativa “linkar”, juntar, aparentar a “serpente” com o “diabo”. É compreensível que em 950 a.C. as pessoas se sentissem bem mais desconfortáveis diante de serpentes do que nós, hoje, no século 21. O autor de Gênesis 3.1-24 captou o fato que, naquelas épocas, as picadas desse réptil matavam bem mais gente do que hoje. O papel de representar o “diabo” como uma “serpente” vem do Novo Testamento. Aqui no texto com o qual nos envolvemos, a “serpente” desempenha um papel secundário, nada mais do que isso. 

51. O fato é que estamos envolvidos com uma história do Antigo Testamento. Nos Estados Unidos da América é muito comum se ouvir de pais que acusam os professores de seus filhos judicialmente. Por quê? Ora, porque eles insistem em ensinar sobre a “evolução da origem das espécies” (Charles Darwin), sem dar ênfase à “Criação Divina” que defende a tese de que Deus criou o mundo e todos os seres viventes num ato único. Se tomarmos qualquer partido nesta briga, precisaremos nos aprofundar um pouco mais no assunto. É o que estamos fazendo.  

52. No Antigo Testamento é assim que muitos textos são “montados”. Esse jeito de escrever também ocorre no Novo Testamento. Alguns textos são escritos com palavras precisas e até sofisticadas. Um exemplo disso é primeira “Narrativa da Criação” onde se lê que, primeiro foi criado todo um contexto; que só depois foi criado o homem. Outros textos são bem-humorados; profundos e instrutivos. Cito aqui a história da “Segunda Criação”, onde o ser humano é criado primeiro e só depois todos os outros seres vivos; onde se fala da “queda”; de “Noé” e outros textos que culminam com a “Torre de Babel”. Nos cabe distinguir; perceber e entender (apreender) estes textos.

53. Aquelas pessoas que leem um texto narrativo como se ele fosse a sequência lógica dos eventos históricos perdem muito da boa compreensão sobre o assunto com o qual se envolvem. Aqueles outros que se obrigam a si e ou até são obrigados por outros a acreditar neste relato como uma verdade literal se desgastam em vão. É difícil de ajudar a “edificar a fé” de uma pessoa que entende; que crê estes “assuntos” de forma “linear”. Estes textos são muito mais profundos; significativos e úteis do que meros relatos factuais poderiam ser.

54. Vamos ler em
Gênesis 3.1-24 a história da “Primeira Desobediência”. O meu desdafio vai no sentido de que leiamos este texto com ouvidos e mentes abertas...  O texto expressa que a “serpente” era a mais astuta de todos os animais. Observem que aqui no texto, ela, a “serpente”, não passa de um animal; de um réptil. Este “réptil” nos dá uma lição de retórica que pode nos ajudar a detectar certos truques que se usam para nos induzir ao erro. O “animal rastejante” tenta seduzir Eva. Ele consegue o seu intento sem propor absolutamente nada; sem desafiar a qualquer ação. Em nenhum momento a “serpente”  cita “a árvore do conhecimento” que, em última análise, ela está visando. Sim, a “serpente” induz à mulher até a convencer o homem que vive ao seu lado.

55. Notem que a “serpente” coloca uma palavra na boca de Deus que Deus nem disse: Vocês não devem comer de toda árvore do jardim. Ela, intencionalmente, omite um detalhe. Eva a contradiz, mas ela, a serpente, não se dá por vencida e replica dando a entender que Deus bem poderia ter feito uma proibição desnecessária. Em tese esta idéia já estava fazendo “casa” na cabeça de Eva. Se Deus fez uma proibição desnecessária, então ela e Adão nem precisariam dar atenção a esta proibição. A “serpente” foi mais longe. Agindo assim ela nos oferece mais do que simples retórica. A “serpente” sabe alguma coisa a mais; algum fato que Eva desconhece. Ela fala contra Deus: - É certo que vocês não morrerão. Em outras palavras: - O que Deus disse a vocês não confere! Agora, indiretamente, está sendo perguntado à Eva em quem ela confia mais: Em Deus ou na “serpente”. Todos aqui sabem o desfecho desta história. Eva confia no “réptil” eloquente. 

56. É estranho que o texto dê a entender que a “serpente” tenha o poder de “induzir ao erro” às pessoas que Deus tem em grande conta. Como pode que uma coisa destas esteja escrita na Bíblia?  Isso é algo forte - convenhamos. Como pode ser isso? Certamente não se trata de um erro; de uma falha na escrita. Uma possível explicação é óbvia: Deus quer o bem das pessoas; Ele não tem o intuito de castigá-las. No Antigo Testamento sempre de novo se apresentam situações em que Deus faz ameaças de punição e, logo depois, oportuniza a graça em detrimento da justiça. A palavra “graça” sempre precisa ser entendida como “bênção”!  

57. A “serpente” continua sua fala: Deus sabe que no dia em que vocês comerem desse fruto, os olhos de vocês vão se abrir e vocês serão como deuses; vocês conhecerão; saberão distinguir entre o que é bom e o que é ruim. Ora, este “negócio” de querer entender o que é bom e o que ruim confere. O problema é que a mentira nunca vem como mentira “limpa”, mas sempre com algum ingrediente de verdade para que ela, a mentira, seja crível. Esta é a arte da sedução da “serpente”. Aqui termina o seu  discurso.

58. Agora Eva pensa por si só. Diz a Bíblia que Eva percebeu que seria bom comer da árvore; que aquele fruto era atraente, uma vez que abria a perspectiva para mais  inteligência. Quem não gostaria de ser sábio? Não foi Deus mesmo quem nos criou com o desejo de buscar conhecimento? Isso que o Adão e a Eva fizeram foi mesmo tão absurdo – buscar mais conhecimento? Claro que não. Se assim fosse esta história seria inacreditável. Deus iria querer que permanecêssemos incultos; semi-sabedores? Ora, a sede de conhecimento é da essência do homem, isso esse texto que estamos estudando também quer reafirmar. A “rebelião” e a “liberdade” humana tem o mesmo grau de verdade na “Criação de Deus”. Esta história com a qual estamos nos ocupando não quer condenar a ação de Adão e Eva. Deus mesmo dá a Adão e à Eva roupas e lhes promete que seus descendentes vão esmagar a cabeça da tal “serpente”. Mesmo nos tempos mais antigos, Deus sempre de novo “amaciou” o castigo prometido.

59. O que o capítulo 3 de Gênesis nos mostra de uma forma bem ampla, é que as necessidades da vida humana são justificadas pela desobediência. O homem quer saber a razão de tudo. Este é realmente o motivo que está por trás da história bíblica. Conta-se uma história sobre um fato incrível que bem poderia ter gerado o mundo do jeito que ele é; que bem poderia facilitar o entendimento do mundo como ele é; que bem poderia mostrar como ele, o mundo, de repente, poderia ter sido.  

60. O escritor pergunta: - Onde é que aconteceu uma ruptura na vida do homem? Nossa existência é insatisfatória. Nós fomos criados para viver a “alegria” e, mesmo assim, experimentamos a infelicidade. Será que já fomos julgados; condenados a sofrer de antemão? Nós temos uma idéia de como deveríamos ser; de como gostaríamos de ser, mas permanecemos muito atrás da concretização destes desejos. Nós trabalhamos; damos tudo de nós e tudo o que conseguimos criar acaba se quebrando nas nossas mãos. Muitas vezes nós mesmos somos tentados a pensar que tudo é vaidade; cinzas ao vento. Mas então, sempre de novo, percebemos que somos os culpados, apesar de toda a nossa boa vontade. Não é o fato de que o homem pecou e que, por isso mesmo, está arruinado. Ele sempre peca e isso o arruina. O pecado cometido por Adão e Eva está mais próximo de nós do que somos capazes de imaginar. Sim, o pecado está em nós!  

61. O acontecimento central da história que vimos agora é a “Desobediência a Deus”. Entre aquela época e a época de hoje existe uma enorme diferença. Na história de Gênesis, Deus caminha sobre a terra e conversa cara-a-cara com Adão. Deus lhe diz o que Ele proíbe e o que Ele permite ser feito. E mesmo mesmo assim o homem é desobediente. Hoje, no século 21, nós experimentamos o outro extremo, uma vez que não encontramos mais Deus na esquina. Esse já foi aclamado como o principal problema do nosso tempo: - Onde está Deus? 

62. Nós experimentamos a vontade de Deus de uma forma indireta, quando lemos as Escrituras; quando ouvimos as explicações que os nossos irmãos nos dão numa prédica - por exemplo. É da nossa responsabilidade checar, sempre de novo, estas duas informações que nos são dadas. O nosso relacionamento com Deus não é tão direto e espontâneo, como acontece na história de Adão e Eva. Se o pecado é a mesma coisa que o relacionamento quebrado com Deus, então somos todos pecadores. É isso que este texto; que esta história está querendo nos dizer quando explicita o “pecado original”.

63. Notem que esta história se mostra um tanto isolada dentro do Antigo Testamento. Nenhum outro texto do Antigo Testamento faz qualquer referência a este texto que estudamos. Nenhum livro histórico; nenhum livro profético e nenhum livro poético citam esta passagem. No Novo Testamento, o texto é lembrado apenas em uma passagem que Paulo escreve em Romanos 5.12ss. Lá Paulo o usa para fazer uma comparação literária, mas não como uma mensagem. Para Jesus e os escritores do Novo Testamento, esta história não foi nenhuma mensagem central que eles tivéssem que levar em conta; que tivéssem que absorver como verdade e ponto final. Volto a frisar: Nos cabe ler esta “História da Queda” como uma poesia instrutiva.

64. Por fim, o que é cristão nesta “História da Queda”? Jesus foi tentado desde antes do início do Seu ministério. A tentação está no começo do sofrimento. A desobediência do homem contra Deus foi a razão para a Paixão, para a fatídica Sexta-feira Santa de Jesus. A história posterior do Povo de Deus no Antigo e no Novo Testamento nos mostra que as bênçãos do Criador são maiores do que os crimes cometidos pelos homens. 

65. Sugiro que leiamos a Palavra sobre Adão e Cristo que consta em Romanos 5.12: “Como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram... Mas onde o pecado abundou, ali a graça se fez ainda muito mais poderosa”.

4.6.12

KATHARINA VON BORA - MULHER RESOLUTA E CRIATIVA!


A sra. Katharina von Bora foi uma mulher resoluta e criativa. Porque se afirmar isso da esposa de Martin Luther? Ora, porque ela administou com extrema criatividade o salário que seu marido recebia como professor da Universidade. Isso não era tão fácil porque sua família era grande; porque sempre recebiam muitos hóspedes e porque a casa onde moravam tinha muitos cômodos.

Houve um dia em que Martin Luther prometeu dar 50 florins à sua esposa, caso ela lesse a Bíblia de capa a capa. Naquela época podia-se comprar dois barris de vinho com esse dinheiro. Com essa soma um Pastor de Comunidade também poderia sobreviver durante meses. 

Sabe-se que Katharina von Bora era uma mulher piedosa e versada em Teologia. Talvez por isso que ela nunca exigiu essa quantia de seu esposo, depois de ter lido toda a Sagrada Escritura. 

Noutro momento o Cardeal Albrecht, da cidade de Mainz, lhe ofereceu os mesmos 50 florins em reconhecimento pelo seu engajamento no trabalho, ao lado do esposo. Martin Luther a proibiu de aceitar aquela oferta. Katharina fez de conta que obedecia. Quando seu marido se afastou, ela acabou aceitando o presente de bom grado.

Katharina era versada em Finanças

Hoje em dia se gosta de definir Katharina von Bora como uma mulher que carregava pesada carga sobre os seus ombros e isso, tanto como dona de casa, quanto como mulher engajada no trabalho comunitário. O fato é que a ex-freira tinha prazer em participar das rodas de conversas teológicas que aconteciam em sua residência. 

Sabe-se que ela era a única mulher que participava dos diálogos teológicos que Martin Luther organizava com seus alunos e com seus colegas professores, em torno da mesa, na sala de estar. Lamentavelmente todos os seus comentários foram removidos das atas que se faziam durante aqueles encontros. O próprio Martin Luther não guardou nenhuma das inúmeras cartas que sua esposa escreveu. Os “panfletos maldosos” que foram escritos no sentido de menosprezar a “freira fugitiva” testemunham, por si só, que Katharina vivia uma vida extremamente engajada junto com seu marido.

Katharina von Bora naceu em família pobre. Foi por isso que, aos cinco anos de idade, foi encaminhada a um Convento Beneditino. Seu pai era viúvo e deixou pouco dinheiro no Convento para acomodá-la ali. 

Com dez anos de idade ela se juntou a outra Ordem Religiosa e, lá, aos 16 anos, firmou seu compromisso como freira da Igreja Católica. Aoprendeu a ler e a escrever naquele Convento. Era uma época em que apenas 5% da população sabia fazer isso. 

Foi por esta razão que, mais tarde, ela foi capaz de ler as cartas que seu marido escreveu sobre temas teológicos difíceis tais como Santa-Ceia - por exemplo. O tempo de convento também lhe promoveu a sabedoria de como gerenciar uma mansão, jardins e campos cultivados. Mais do que isso, ela também aprendeu como organizar uma boa refeição.

Martin Luther vivia sob “rédeas curtas”

Katharina von Bora tinha consciência que seu marido, o “grande teólogo”, entendia pouco ou quase nada da administração de dinheiros. O casal teve três filhas e três filhos e morava numa casa enorme que mais parecia um castelo. Ali, antigamente, tinha funcionado o Convento Agostiniano de Wittenberg. A referida casa lhes foi presenteada quando do seu casamento por um Príncipe Saxão. Ora, tudo aquilo tinha que ser gerenciado.

Katharina von Bora era consciente de que não carregava nenhuma nobreza e que se casara com um Professor de Teologia. Isso já era alguma coisa na sociedade de então. Assim, ela assumiu as regras do jogo social, sempre se colocando ao lado do marido quando ele falava em público; sempre respeitando o fato de que seu marido, assim como todos os homens casados da época, tinha o "direito de supervisão" sobre a gestão financeira.  Chamava-o de "senhor" diante das outras pessoas. Tratava-se de um "faz de conta" porque, na realidade, nestas questões, Katharina von Bora levava o seu Martin Luther com “rédeas curtas”.

Esse engajamento gerou “faíscas”

Katharina von Bora sempre atuou com um elevado grau de autonomia no seu matrimônio. Ela administrava uma Casa de Estudantes com até quarenta moradores; se ocupava com uma Enfermaria e com um Jardim de Infância; dava conta de administrar galinhas, cabras, vacas, cavalos, tanques com peixes e três grandes jardins. Mais do que isso, cuidava duma pequena roça, onde produzia grãos e zelava por um pomar, onde cultivava pêssegos. No meio disso tudo, também dava conta do Antigo Convento. 

Se a comparamos com a esposa de Melanchthon, esta só se ocupava com um pequeno Canteiro de Chás. Ao longo dos anos, a família Luther adquiriu uma pequena propriedade em Wittenberg onde Katharina também se desgastava com trabalho braçal. Com tanto engajamento só podia sair faíscas do relacionamento entre a "sra. Käthe e Martin". Estas pequenas "rusgas" fizeram com que Martin acabasse se retirando para dentro do seu gabinete e deixando a sua esposa solta, ocupada com seus afazeres.

Martin Luther colocou Katharina em seu testamento como a única herdeira e guardiã de seus filhos. Isso contradizia a lei saxónica e foi por isso que, após a morte de Martin Luther, Katharina foi em busca da assinatura do Príncipe para fazer valer aquele documento. Mesmo assim, ela precisou enfrentar dificuldades financeiras. A sua propriedade foi bastante danificada quando da Guerra de Smalkalden, entre 1546-47 e o velho prédio perdeu muito do seu valor.  

Katharina Von Bora fugiu da praga da peste que assolou a Alemanha se refugiando em Torgau, assim como muita gente de Wittenberg. Foi lá que esta corajosa mulher veio a falecer por causa de um acidente.

31.5.12

O MEU TALAR PRETO


Outro dia, lendo, descobri o historiador alemão Ulrich Bayer. Ele, na sua pesquisa, descobriu que foi o rei da Prússia, Frederico Guilherme III, quem instituiu o talar preto e o peitilho na cor branca para os ministros eclesiásticos de sua época. Conforme Ulrich, o seu decreto data do 1° de janeiro 1811.

Foi assim que, a partir daquela data, o talar preto, o peitilho branco mais a boina preta passaram a ser os uniformes oficiais para os pastores da época. Friedrich teve poder para instituir essa “lei” porque, além de ser rei, era a Liderança Maior da Igreja Evangélica e, como tal, também alguém muito envolvido nas questões litúrgicas.

Com essa “prescrição”, o rei prussiano visava organizar o “caos” existente no que diz respeito às indumentárias usadas pelos sacerdotes. Naquela época uns subiam no púlpito vestidos com ternos, outros com guardapós e terceiros com vestes compridas. Ora, isso tinha que ser mudado. Mais do que isso, o intuito do rei era promover ao povo uma imagem unificada da Igreja.

É assim que, ainda hoje, esta “ordem” dada por Friedrich Wilhelm III tem impacto sobre nós. A lei do uso do talar rezava assim: “O talar deve ser preto (ausência de cor) e ter seu comprimento marcado pelo tornozelo do ministro. O peitilho deve ser branco. A boina preta deve ser usada somente ao ar livre.”

Era esse o “uniforme” para os serviços religiosos na Igreja da Prússia. O modelo do talar devia seguir o modelo de um vestido pliçado e abotoado de cima para baixo. Pode-se dizer que o talar teve sua origem numa espécie de “jaqueta profana” que, em ocasiões especiais, também era usada por ministros eclesiásticos. O Reformador Martin Luther usou, pela primeira vez, este modelo de talar por ocasião da prédica que proferiu em 1524. Esse fato fez com que, a partir daquele dia, o talar fosse conhecido como a “vestimenta do Luther”.

Vai daí que a tradição do talar dura até os dias de hoje. Lá se vão 201 anos. A partir dos Documentos Normativos da IECLB eu, como pastor ordenado, devo usá-lo. Aliás, gosto de usá-lo. Quando da celebração de um Culto, o talar preto faz com que só meu rosto e minhas  mãos apareçam. Ele esconde o colorido da minha gravata e ou o corte da minha camisa e aí então só “aparece” mesmo a Palavra de Deus. Ora, isso tem tudo a ver com o entendimento evangélico de “adoração”.

Sim, o talar preto é símbolo indicador da nossa “identidade luterana” por excelência. Se nós, como IECLB, possuimos um símbolo, então este é o talar preto que tanto deve ser usado em Cultos como em Ofícios (Santa Ceia, Batismo, Confirmação, Casamento).

28.5.12

Venha a nós o Teu reino... (Mateus 6.10a)


Que a graça e a paz de Deus, nosso Pai, e do nosso Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador, esteja com cada uma, com cada um de nós. Hoje nos colocaremos diante de uma frase extremamente curta: “Venha a nós o Teu Reino!” No que terminamos de pronunciá-la, já vem a segunda: “Seja feita a Tua vontade!” Penso que seria um bom exercício, se orássemos a oração do “Pai Nosso” em câmara lenta. As palavras que expressam a oração sensinada por Jesus contribuiriam muito mais para o nosso crescimento, se a orássemos bem devagar; de forma pausada. “Santificado seja o Teu Nome!”... “Venha a nós o Teu Reino!”...
 
O que passa pela cabeça de cada uma, de cada um de vocês quando dizem: - “Venha a nós o Teu Reino?” O que é que o “Reino de Deus” significa para nós? E se este “Reino de Deus” se concretizasse, assim, de repente, no meio das nossas lidas? Eu não me admiraria se gagejássemos, ao tentarmos responder estas perguntas. O fato é que estamos tratando de um assunto grandioso. Se, com calma, buscarmos resposta a estas perguntas, então, provavelmente, iremos apontar para as testemunhas que já oraram essa oração antes de nós; para as testemunhas que já ousaram se comunicar com palavras e imagens, a respeito do “Reino de Deus”; para testemunhas que já nos auxiliaram a crer a nunca perdermos a esperança...  

Uma destas testemunhas que experimenrta o “Reino de Deus” a favor de si é, para mim, o poeta Martin Behm. Ele, em 1606, escreveu uma poesia que foi convertida em canção. Nela, ele aponta Jesus Cristo como “Rei de todas as Honras” e descreve o Seu governo como verdade “já aqui e agora”: Tu Te encontras lindamente adornado. O Teu esplendor se estende por toda a terra. A Tua bondade e a Tua justiça regem a tudo e a todos. Tu proteges os piedosos através do Teu poder e da Tua força, para que eles experimentem a paz. Os ímpios não subsistirão. (Evangelisches Gesangbuch 71.4)

Agora, a gente também fica espantado quando pensa no número das testemunhas que experenciam o “Reino de Deus” contra si. “Os ímpios não subsistirão!” O mundo está repleto de pessoas ímpias. Basta olharmos em volta para percebermos isso. Mortes, homicídios, ataques terroristas, guerras, abusos sexuais, estupros... Onde, neste contexto se encontra Deus cuja “bondade e justiça rege a tudo e a todos”? Não nos enganemos a nós mesmo... Nós também já deixamos de experimentar “boas doses” da bondade de Deus. Mesmo assim, continuamos “cravando” nossos olhos no “Reino de Deus” e, sobretudo, no próprio Jesus Cristo. Em Marcos 1.15 se lê como Jesus Cristo iniciou a Sua obra: “O Reino dos Céus está próximo!  Arrependei-vos e crede no Evangelho”, diz a Palavra de Deus. Ora, a anunciada proximidade do “Reino de Deus” corresponde a uma chamada ao arrependimento; a crermos no Evangelho.   

Aí então nos é apresentada a Parábola de Jesus sobre a “Semente de Mostarda” que se transforma. Trata-se de uma bela imagem que aponta para o “Reino de Deus” que começa discretamente, a partir de inícios míseros e, no final das contas, se torna tão grande que os pássaros encontram bom abrigo nele. Não só os pássaros. Um homem cego pode ver novamente. As pessoas com deficiência física podem andar de novo. Um leproso se torna limpo e aos pobres é levada a Boa Notícia do Amor de Deus, do qual tanto carecem. É assim que se inicia o “Reino de Deus” que se volta para as pessoas com o intuito de curá-las de todos os seus males; que começa o irreversível “Reino de Deus” no meio de nós. 

O que é “irreversível”? Esta pergunta eu ouço da parte daqueles que não experimentam o “Reino de Deus” na sua totalidade. Elas perguntam: - O mundo melhorou nos últimos 2.000 anos? - Quantas pessoas pobres morrem prematuramente por causa da fome; da falta de assistência médica e de água poluída? - Quantas pessoas morrem de agonia por não existir cura para elas? - Qual é a esperança que a mensagem do “Reino de Deus” pode trazer para estas pessoas?
 
Os profetas Isaías e Miquéias também testemunham a respeito do Reino de Deus”. “Paz” e “Shalom” (paz física e espiritual) são para eles sinônimo do “Reino de Deus”. Eles estão certos de que chegará o momento em que as espadas serão reforjadas em arados e que as lanças se reforjarão em foices para que as pessoas se esqueçam da “arte da guerra”. Diante destas testemunhas do Antigo Testamento também surgem os críticos que dizem: - As pessoas nunca aprenderam nada dissa visão profetizada no passado. Esse povo afirma que estes fatos sonhados nunca se concretizarão e aponta seus dedos para as pessoas que assim creem, como indivíduos que “escondem suas cabeças na areia” para não perceberem a realidade que os cercam.
 
Aqui eu chamo o testemunho que João dá no último Livro da Bíblia para o “Reino de Deus”. Para João o “Reino de Deus” significa o enxugamento de todas as lágrimas; a morte da morte; a completa ausência da dor e do luto. O passamento do que é velho (Apocalipse 21.4). Neste ponto as testemunhas contrárias ao “Reino de Deus” devem estar sorrindo riso maroto. Quem embelezará o mundo destas pessoas que sofrem desmensuradamente, enquanto gritam desolada e passivamente por causa da certeza da dor e da morte, a partir do enxugamento de lágrimas?  Neste momento evoco uma testemunha contemporânea do “Reino de Deus” que brota de dentro do livro de Carlos Mesters, um teólogo brasileiro. É a história da Teresinha, uma mulher simples da roça. O filho de Teresinha tinha apenas alguns meses de idade e se encontrava muito doente. Ela, naturalmente, procurou um médico, mas este se recusou a dar o devido tratamento ao seu menino. Daí então ela perambulou de hospital em hospital, na busca da cura. Como não havia vagas nos leitos hospitalares, a criança foi rejeitada e acabou morrendo em seus braços.

Passou um tempo e esta mulher contou sua triste história para uma irmã diaconisa (freira), que reagiu assim: - “Como é que a senhora aguenta sofrer tanto assim?” A sra. Tersesinha lhe respondeu: - “Eu não sei, irmã. Nós somos pobres. Não sabemos nada. A única coisa que nos resta é sofrer neste mundo. Mas não se preocupe, irmã, um dia isso vai mudar! “Deus ajuda as pessoas como nós.”Um dia isso vai mudar” – disse a mulher. A morte não terá mais poder” – escreveu João. “Deus ajuda as pessoas como nós” – disse a mulher. “Deus enxugará todas as lágrimas” – escreveu João. E ambos seguem esperançosos rumo ao futuro.

Caminhar com esperança rumo ao futuro, isso ninguém pode fazer sozinho. Meu coração é muito pequeno para uma empreitada dessas. Eu preciso de testemunhas em quem em possa me enganchar no braço. Eu preciso chegar perto de pessoas como a D. Terezinha que crê, teimosamente, no fato de que as vítimas que, aparentemente, estão “perdendo o jogo”, vão ganhá-lo no final. Preciso me aproximar de pessoas como Isaías, Jesus e João que podem me ensinar a “arte” da esperança. Com essas pessoas próximas de mim eu consigo ultrapassar as minhas incapacidades que se resumem na fala limitada da esperança; do “Reino de Deus” que é mais forte que a morte. Com pessoas desse quilate nas minhas cercanias eu me sinto mais forte para absorver as palavras tão diferenciadas que podem encher os vazios do meu jeito pequeno, estreito e atormentado de trabalhar as dúvidas que insistem em morar dentro do meu coração.

As testemunhas de acusação ainda continuam tentando nos desestabilizar na fé. Elas dizem: - “A esperança em Deus que “redime” todas as “Teresinhas” da vida apenas anestesia a dor sofrida e é incapaz de promover o poder para a mudança.” Mas aí eu retruco: - “Podemos perder tanta coisa quando desaprendemos a esperança; quando nos limitamos a conviver com a miséria; quando a música “O dia virá” ficar desaprendida.” Quando tudo isto morrer, não morrem junto os nossos sonhos? Não morre toda a nossa esperança?

Se seguirmos as pegadas de Isaías, Jesus e João, então estamos comissionados a evitar a desesperança.  Enchamos a nossa boca. Não nos deixemos pressionar pelos arautos da desesperança. A morte não pode ter a última palavra. Se ela conseguir se adonar da última palavra, então ela será maior do que Deus. A vítima não deve ficar vítima para sempre. Se a vítima se eternizar, o autor da dor será maior do que Deus. O sofrimento injusto deve ser colocado no “banco dos réus”. Se não forem julgados ali, no “banco dos réus”, eles, os sofrimentos, tem tudo para se colocar como mais fortes do que a justiça de Deus. Sim, há muitas crianças sendo assassinadas e não vamos esconder essa reallidade de Deus. Diz a palvra que Ele enxugará todas as lágrimas e, junto, presenterá de volta o riso aos que sofrem. Ele vai curar todas as feridas e trazer os mortos de volta à vida. Ora, a esperança do “Reino de Deus” não é promessa vazia; a expectativa de um “novo céu e uma nova terra” não é delírio da idade; a nossa esperança não é barata; a fé que Deus plantou em nós pode atiçar a fé nas pessoas que caminham do nosso lado.

Sim! O “Reino de Deus” nos conduz para Jesus Cristo. O “Reino de Deus” não nos “cega” para o sofrimento do mundo, mas nos torna solidários com os que sofrem dor; nos desafia a não recolhermos as mãos na hora de ajudar. Nós trairíamos o mundo se proclamássemos a vinda do “Reino de Deus”, pela qual pedimos na oração do “Pai Nosso”, como um “Projeto Mundano”. No momento em que entendermos o nosso chamado para o “Reino de Deus”, entenderemos que a justiça não pode vir a ser verdade apenas depois da morte; que a escravidão não pode acabar só depois da morte. Se fosse assim, a justiça teria tudo para ser “obra” dos mestres deste mundo, não de Deus. A verdade é que o Libertador da Morte ressuscitou dentre os mortos. Ele ressuscitou e agora nos chama também a ressuscitarmos, a nos rebelarmos contra os homens que nos manipulam com seus conceitos de morte.

Não podemos orar “Venha o Teu Reino” e, ao mesmo tempo, nos relacionarmos com os sinais de morte que pululam à nossa volta. Como crer em Deus como O mais forte que a morte e, ao mesmo tempo, pertencer ao grupo dos campeões do mundo em exportação de armas? Não podemos acreditar na ressurreição e, na mesma hora, colocarmos em perigo as vidas de nossos filhos e netos, dando mínima para a poluição! “Venha o Teu Reino”... Isso significa que nenhuma lágrima derramada é vã; que nenhuma ferida continuará sem cura; que nenhuma injustiça ficará sem justiça; que nenhuma morte separará de Deus. Como, quando e onde isto será realidade? Deus sabe a resposta e isso já é suficiente.

Que a paz de Deus que é maior do que a nossa razão, guarde os nossos corações e mentes em Cristo Jesus. Amém!


OLHA SÓ!