Busque Saber
19.1.12
Osmar Falk - O Bom Professor!
Era março de 1961 e eu encontrava-me sentado num dos bancos daquela pequena escola do interior do Brasil. Meus pais trabalhavam na roça e eu sentia-me um pouco diminuido pelo fato de ser filho de colonos. Observava tudo. Bem no meio da sala estava um fogão a lenha. Na parede, cinco quadros verdes e, em frente deles, estávamos nós, as cinco turmas de primeira à quinta série do Ensino Primário. Lá fora, inúmeros cinamomos a sombrear as lindas manhãs daquele final de verão.
Nosso professor, o Osmar Falk (hoje pastor aposentado da IECLB), era severo. Quando terminava de explicar as primeiras letras para o nosso grupinho de novatos, já se locomovia para a segunda turma e, assim, sucessivamente. Não era fácil manter a ordem na sala. Lembro que, sempre no início das aulas, debulhava uma espiga de milho num dos cantos da mesma. Quem não cumprisse com os deveres de casa devia ajoelhar-se sobre aqueles grãos. Prometi para mim mesmo nunca ajoelhar-me ali.
Certo dia nosso mestre precisou repetir alguns conteúdos e a dinâmica da nossa aula sofreu pequeno prejuízo. Quando o sino badalou para avisar a hora do almoço, os nossos cavalos, até então pacientes, alvoroçaram-se. Era ora de ir para casa. Mas, e a tarefa? Nós nunca saíamos sem tarefa da escola. Lembro do rosto franzido do nosso jovem professor. Parecia culpar-se por não ter-se preparado bem como em todas as outras oportunidades.
Tínhamos um impasse. Será que, finalmente, teríamos uma tarde livre de tarefas? De repente, os olhos do nosso professor brilharam. Sim! Ele tinha tido uma idéia: deveríamos conversar com Deus, a partir de uma oração. Seríamos cobrados no dia seguinte.
Fiz o trajeto para casa debaixo de grande preocupação. Aquela tarefa era difícil de ser cumprida. Entrei em casa. Nossa família estava toda reunida para o almoço. Meus irmãos estavam alegres em torno da mesa. Ainda recordo o cheirinho da comida daquele dia. O fato é que não me alimentei direito, pois aquela dúvida me atordoava. Como é que eu iria conversar com Deus?
Decidi mentir que tinha dialogado com Deus. Mas e se o professor perguntasse detalhes? Eu certamente ficaria vermelho e acabaria dando mostras de que não estava sendo sincero. Fazer o quê? Eu não queria ajoelhar-me sobre o milho debulhado. Não! Eu teria que dar um jeito de resolver o meu problema.
Pensei no nosso pastor. Ele falava alto e Deus parecia entendê-lo. Não. Ele poderia taxar-me de bobo. Quem sabe minha avó... Ela sempre fora tão sincera comigo. Também não me senti vontade. Assim, saí da mesa e recolhi-me lá no fundo do pátio, debaixo de uma ameixeira para refletir mais.
Decidi que iria conversar com Deus, tal como conversava com meu amigo Hugo. Olhei em volta! Ninguém por perto. Esbocei algumas palavras imaginando Deus do meu lado, mas senti-me inseguro. Falava alto demais. E se uma vizinha me ouvisse falando sozinho. Pensaria que eu era louco. Saí dali, impaciente.
Meus irmãos brincavam no pátio, quando me dirigi ao único quarto da nossa casa, cuja porta podia ser trancada por dentro. Fechei a janela para escurecê-lo. Tinha consciência de que precisava ficar só. Quanto menos barulho melhor porque Deus não falava alto. Sim, mas e o volume da minha voz? Eu não poderia dialogar com Ele como dialogava com minha mãe.
Cruzei por ela, na cozinha. O barulho dos pratos sendo lavados na pia desviava sua atenção de mim que me esgueirava para dentro do quarto escuro. Uma vez ali, decidi enfiar-me debaixo das cobertas que cobriam a cama da minha irmã. Lá de baixo, sentindo um pouco de falta de ar, acabei sussurrando: - Deus! Fala comigo! Diz-me alguma coisa! Não quero ajoelhar-me sobre o milho! Não quero passar vergonha diante dos colegas. Por favor! Preciso que fales comigo...
Fiquei quieto, esperando ouvir Àquele a quem suplicara por um sinal. Lá fora, o movimento dos caminhões. Eu me esforçava para ouvi-Lo. E se Ele verdadeiramente se comunicasse comigo? Como seria o timbre da sua voz? Seria carregada com os tons enérgicos do meu pai? Seria doce como a da minha avó?
Nunca consegui explicar direito o que me aconteceu nos instantes seguintes. A paz que tomou conta de mim fez com que os cobertores passassem a ser desnecessários. O sentimento de inferioridade tinha sumido de dentro de mim. Eu estava alegre. E assim, lá no meu interior, fui sendo banhado com a sensação indizível de ouvir Deus falando: Te amo! Diga ao teu professor que falei contigo. Que te guardo! Que te faço feliz! Que Sou teu amigo! Que não precisas ter medo de Mim...
Não consegui conter-me. Abri a janela do quarto. O céu estava muito azul. As nuvens brancas passeavam pelo mesmo testemunhando minha alegria. Lembro de ter fixado os olhos numa grande amoreira de folhas verde-claras. Senti vontade de correr. Depois corri. Só parei de correr quando cansei. Eu não esqueceria jamais daquele momento: - do dia em que Deus se comunicou comigo daquela forma tão pessoal.
No outro dia, um tanto afoito, vesti o uniforme escolar. Saboreei minha xícara de café com leite. Comi o pão com doce de banana e, em seguida, passei a mão na minha bolsa escolar e lá me fui. Estava ansioso para ser perguntado pelo professor se tinha cumprido a “tarefa”. Diria que sim.
A aula começou como sempre e, dois minutos depois, já me ficou claro que o professor não iria cobrar o tema dado no dia anterior. Num primeiro momento, entristeci-me. Mais tarde percebi que estava bom assim. Eu tinha tido uma experiência que me acompanharia pelo resto da vida. Esta, não aumentaria em importância se a compartilhasse com toda a turma. Ela me dizia respeito e assim guardei-a como impulso para um contato mais estreito com Deus.
Faz alguns anos, reencontrei meu ex-professor. Ele não se lembrava daquele dia. A verdade é que aquele tema de casa ajudou-me em muito. Na época, fui jogado para dentro de uma crise. Eu não queria ser castigado. Eu não queria sofrer vergonha e, em vista disso, procurei e achei a solução. Hoje, atuo como pastor nas Comunidades por onde passo. Aqui e ali, desafio crianças e jovens a conversar com Deus, tal como conversei e ainda converso.
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3 comentários:
Acho que vou começar a adotar esta tecnica do milho. Me parece muito educativa. rsrsrsrs
Valdívia Piske Boldt
Muito bom texto Renato! Sempre escuto esta história dos "grãos de milho", ainda de amigos , que passaram por isso na escola, dois ou três anos anteriores da minha alfabetização... o método deixou de ser aplicado nas escolas no interior de Teutônia no início dos anos 80... (coincide com a abertura democrática no nosso país :-) )... parece que a escola é apenas o espelho dos valores culturais da sua época... e se era aceito que pais batessem em seus filhos, não era estranho, que a sociedade também exigia castigos deste tipo dos mestres escolares. Mesmo sem milicos e nazistas nas escolas, a violência e humilhação perdura até hoje... de forma mais sutil, como mobbing, violência psicológica, que continuam traumatizando as nossas crianças, por aqueles, que deveriam motivá-las para o futuro.
Paulo Tiggemann Wallauer
Meu dileto aluno! Hoje me envergonho desta pedagogia lamentável, embora ela fosse o fruto daqueles tempos.Em todo caso não me lembro de ter levado este castigo a termo.O seu efeito era mais psicológico - como você mesmo o experimentou - para manter a disciplina pelo medo, o que também não justifico.Deste tempo resta a boa lembrança do respeito que se tinha pelas autoridades,pais,professores, padres e pastores, policiais, governantes...Que dizer dos tempos atuais em que os filhos não respeitam os próprios pais, em que os alunos batem nos professores,em que se destrói o patrimônio público e privado? O que levou a esta lamentável situação? Obrigado pela menção honrosa que não mereço.Folgo em saber que a tarefa da aula de religião te levou a uma experiência pessoal com Deus que te acompanha até os dias de hoje!
O "bom"Professor
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