DÁDIVA DE NOME E DE OFÍCIO
Outro dia, ali entre um suspiro de fim de tarde e um passeio sem pressa, cruzei-me com a minha vizinha, a Dádiva dos Santos.
Nome bonito, pensei. Nome de promessa, desses que carregam um peso tão leve que mais parece obrigação.
A senhora, sempre sorridente e com olhos de quem carrega o mundo sem drama, contou-me que estava envolvida num projeto para ajudar pessoas necessitadas.
Naturalmente, espantei-me: mas por que alguém, em pleno século do sofá reclinável e da Netflix, haveria de se levantar para... servir?
Dádiva – o nome já entrega o “spoiler”. Essa senhora nasceu para doar. E doa! Dá tempo, dá atenção, dá móveis velhos, doa sua vida, se for preciso.
Seria um erro dizer que o faz por vaidade ou carência: ela o faz por vocação – ou por falta de descanso, quem sabe.
Fiquei pensando, enquanto ela se afastava com passo leve: será que as pessoas são levadas, quase forçadas, a viver os recados vitalícios embutidos nos seus nomes?
Um Carlos Forte que tem de ser firme como um carvalho, uma Esperança que nunca se permite desesperar, um Salvador condenado a salvar até os domingos.
Imagina só a desgraça de um tal de Triste – condenado à melancolia desde a certidão de nascimento.
Fico a imaginar se Dádiva, em algum momento da vida, teve vontade de ser apenas Maria. Uma Maria que se deita, que não recolhe doações, que se cansa e diz “não posso”.
Mas não. Ela é Dádiva. E como uma personagem fiel ao enredo do próprio nome, segue a doar. Talvez nem saiba como parar.
Ironias da vida: enquanto algumas e alguns passam os dias tentando receber, há o pessoal que parece ter nascido só para doar.
E talvez, só talvez, o mundo continue a girar por conta dessas pequenas contradições.
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