Busque Saber

3.6.25

O RETORNO DO EGÔ

 

Mudei de cidade. Outra vez. Desta vez, um cantinho ensolarado, com cheiro a mar e promessas de recomeço. Estava convencido de que seria diferente. Que desta vez ele não viria.

Mas ontem, ao abrir a mala e encontrar aquela camisa que nunca uso, ouvi a voz.

— “Vais usar essa? Achas mesmo que combina contigo? Não estás a exagerar um bocadinho?”

Lá estava ele. Deitado no sofá da sala nova, como se sempre tivesse tido uma chave do apartamento. Egô. Com acento no “ô”, claro, porque ele insiste em ser chamado assim. Mais sonoro, mais importante. Egô não gosta de anonimato.

— “Estás a fugir de quê, afinal? Da cidade anterior ou de ti mesmo?”

Tentei ignorá-lo, como sempre. Fiz café, pus música baixa. Mas ele acompanha os pensamentos como sombra ao entardecer: discreto, mas impossível de evitar.

— “Essa música? Outra vez? Tens mesmo gosto ou só te repetes porque tens medo de mudar?”

Há momentos em que penso que o Egô sou eu em versão aumentada. Outras vezes, acho que ele é um intruso, um impostor com a minha cara e os meus medos. Mas a verdade é que somos íntimos — quase amigos. Já o disse uma vez: ele é amicíssimo de infância. Cresceu comigo. E, tal como eu, aprendeu truques novos.

A diferença? Eu canso. Ele, nunca.


#Ego #AutoCrítica #DiálogoInterior

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