Vamos combinar que o mundo seria maravilhoso, um lugar
fantástico para se viver se não fosse o mal. Não é segredo de ninguém que o mal
sempre gera ódio, violência, guerra, opressão e pobreza. Todo mundo sabe que ao
longo dos séculos, as pessoas sempre tentaram promover a paz e a justiça. A
Bíblia está repleta de relatos a respeito de impulsos que intentavam esta mesma
busca, esta mesma esperança. Na História Geral sempre foi assim que todas as
Denominações sempre pediram a Deus: “Senhor, livra-nos do mal...”
O problema é que o mundo real em que vivemos tem outra
natureza. Todos os dias os nossos nossos meios de comunicação anunciam eventos
ruins. É praticamente impossível escapar-se da inundação contínua de mensagens
violentas sobre os excessos que são praticados na calada da noite e também na
luz do dia. Há quem sustente que a História deveria ser escrita sob a
perspectiva da guerra que, querendo ou não, sempre acaba gerando mais ou menos
progresso. Hoje, na Líbia, há um governo ditatorial que guerreia contra seu
próprio povo. Há outros exemplos bem mais próximos de guerras travadas. Estou
pensando na favelas do Rio de Janeiro, nas Ruas de Joinville – por exemplo.
Não, ninguém de nós vai negar que existe o mal. Todo
mundo sabe as consequências terríveis e destrutivas que o mal pode causar à
vida das pessoas. A última petição da Oração do Pai Nosso tem tudo a ver com a
vida que vivemos. É por isso que dizemos: “Senhor, liberta-nos do mal...” Notem
que esse não é um pedido abstrato; uma petição pelo não derramamento de sangue,
apenas. Trata-se, isto sim, de um pedido de preservação da tentação que
antecede à prática do mal. Quando a oramos, o mal se torna concreto diante dos
nossos olhos; ele perde o seu anonimato; ele nos diz respeito; ele se mostra
próximo de nós. A petição “Não nos deixes cair em tentação...” significa que
nos cabe resistir ao mal. Ela também nos sugere a possibilidade de que podemos
falhar, de que podemos sucumbir à tentação de causarmos o mal. O leitor de
jornal que, sentado no sofá da sua sala, lê notícias desagradáveis e, ao
lê-las, se dá conta do mal que existe no mundo, só reflete sobre o conteúdo
lido. Já as pessoas que oram esta petição se relacionam de forma diferenciada
com a realidade do mal. Elas refletem sobre os seus próprios atos. Elas tem
consciência de que esse mal pode se avizinhar e, por tabela, levar à tentação,
à prática do mal.
São poucas as pessoas que conseguem refletir assim como acabei
de sugerir. É estranho que todas as pessoas são sabedoras daquilo que acontece
à sua volta. Ninguém tem dúvidas a respeito do poder do mal. No entanto, a
maioria das pessoas não reflete sobre as suas próprias atitudes. Nas suas
cabeças o mal só diz respeito às outras pessoas, àquelas que se encontram em
outros locais, em outros bairros. De uma
forma geral, a mulher e o homem, tem a tendência de se perceberem como pessoas
boas; pessoas que vivem de forma diferente; pessoas que são diferentes daquelas
cujas más ações os jornais noticiam. Assim elas se comportam como espectadores
das outras pessoas que agem com sua maldade no teatro do mundo.
Não é assim. O mundo não está dividido entre o bem e o
mal. Também não existe uma clara linha divisória entre as pessoas boas e as
más. Cada ser humano, seja ele quem for, está em perigo de fazer o mal; de
seguir o mal. Cada uma, cada um de nós pode testemunhar: Lembram daquele
momento em que vocês estavam a sós consigo mesmos? Vocês sabiam exatamente o
que fazer. Daí então vocês ouviram uma “pequena voz” dentro de si. Vocês não
conseguiram resistir àquela sugestão. Recordam daquela disputa em que vocês
mesmas, vocês mesmos ficaram com medo de si: como é que eu pude ser tão
desagradável, tão mau? Lambram daquele dia em que a raiva às levou, os levou a
prejudicar uma pessoa próxima? Quem não recorda da vergonha que sentiu quando
fez a retrospectiva de um momento ruim de sua vida? Sim, há momentos que nós
gostaríamos de apagar, momentos que nós até sonhamos que outros não tenham
percebido.
Sim! São numerosas as tentações de se fazer o mal. As
tentações são reais e não é fácil vencê-las. Mesmo que demos o melhor de nós,
sempre seremos culpados pelo mal que causamos aos outros. Uma vida impecável,
sem falhas e intocada pelo mal não existe. Também os santos foram pessoas, e
não super-mulheres, super-homens. Eles também foram apanhados em pecado e
culpa; também eles experimentaram dor e sofrimento, sofrimento e dor que também
oportunizaram a outros. Escrevo
isso porque o experimento na minha vida.
A Bíblia nos ensina que é uma ilusão só ver o que é belo
em si e constatar, de forma descuidada, que tudo vai bem – obrigado. É claro que Deus nos criou para fazermos o
bem. É incrível como as pessoas se dão presentes e até se ajudam mutuamente na
vida. Nós temos a capacidade de amar o próximo; sermos compassivos e até
pacificadores. Mas há também o mal. O
mal é parte da realidade deste mundo e é por isso que a mulher e o homem se
encontram todo tempo sob risco. É fácil, mas, ao mesmo tempo, perigosíssimo
fechar-se os olhos para esta realidade, fingindo que podemos ser imunes ao mal.
Nós não podemos fugir do mal. Nós não podemos ter a certeza de estarmos tomando
a decisão certa; de resistirmos ao mal quando vem a tentação. Levantemos as
mãos para o céu se assim acontecer.
O fracasso também diz respeito à realidade da vida.
Martin Luther entendeu muito bem o apóstolo Paulo, quando percebeu esta
“rachadura”; esta “contradição” na vida das pessoas. Ele disse: “Somos pecadores”.
Em Romanos 3.22c-24a se lê: “...porque não há distinção, pois todos pecaram e
carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça,
mediante a redenção que há em Cristo Jesus.”.
Nós somos todas pecadoras, todos pecadores e, por isso,
oramos ao nosso Pai do céu “... e não nos deixeis cair em tentação, mas
livra-nos do mal.” O fato de termos uma visão realista e sóbria de nós mesmas,
de nós mesmos é um sinal da nossa fé em Jesus Cristo. É Ele quem nos mostra que
temos necessidade da salvação; que não podemos nos livrar do poder do mal, a
partir das nossas próprias forças.
Assim, esta última petição da Oração Pai Nosso nos conduz
ao centro da fé. Esta petição é a expressão da esperança que impulsiona nossas
vidas cristãs. É a salvação propriamente dita. Cristo morreu e ressuscitou por
nós. Na cruz, Ele nos libertou das dependências que nos amarram ao mal da culpa
que pesa sobre nós. Jesus fez o caminho da cruz para que nós pudéssemos
experimentar a salvação. Se Ele não tivesse agido assim estaríamos perdidas,
perdidos. Por quê? Ora, porque nenhuma mulher, nenhum homem tem a capacidade de
se auto-justificar. As pessoas que pautam suas vidas na cruz de Cristo não se
pautam na vida de outras pessoas. Elas tem consciência de que todas, todos
estamos sob a justiça de Deus. Diante de Deus somos todas, todos iguais. Nós
confiamos em Deus.
Isso não tem absolutamente nada a ver com o fato de que
nós, cristãs e cristãos, nos vejamos como pessoas pequenas – nada disso.
Alegramo-nos com a nossa capacidade de amar; com a força que colocamos a
serviço de outras pessoas, enquanto carregamos seus fardos, faciltamos suas
vidas; com o bem que existe em nós; quando temos a chance de servir. Mas nós
não nos colocamos acima dos outros; nós não nos iludimos com as nossas
possibilidades e com as nossas limitações; nós não entendemos que fazemos as
coisas que fazemos, a partir das nossas forças. Nós colocamos a nossa confiança
em Jesus Cristo, que nos aproximou de Deus. Nós temos ciência de que não nos
libertaremos, pois ninguém é capaz de fazê-lo. Nós olhamos, isto sim, para
Jesus, de quem vem a nossa ajuda, a nossa salvação. E, então, nós percebemos os
nossos atos, o bem que somos capazes de fazer e a resistência ao mal como um
fruto da salvação.
Paulo diz que os crentes “não se devem deixar vencer pelo
mal, mas devem vencer o mal pelo bem”. Com o Filho de Deus também veio um
espírito especial ao mundo, um espírito que não se deixa cpaturar pelo círculo
vicioso da má ação e pela busca de vingança. O Espírito de Cristo liberta o Seu
povo das prisões que sempre de novo causam o mal por si sós. O Espírito Santo
nos dá a força para nos colocarmos na situação, na pele dos outros, a
assumirmos a perspectiva de quem está do outro lado. Vencer a tentação de só
pensar em nós e então fazer o bem.
A salvação começa com a percepção de que, diante de Deus,
não estamos em dia com a nossa vida e com as nossas atitudes, mas que confiamos
na Sua misericórdia. Confiemos em Jesus Cristo e seremos libertados para quebrarmos
a lógica do mal. Este é um fruto da vida pela fé no crucificado e ressuscitado
Jesus Cristo. Amém.
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