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14.6.11
Peça de Teatro sobre o Tema do Ano da IECLB - 2011
Abaixo estou repartindo uma Peça de Teatro sobre o Tema do Ano da IECLB - 2011: “Paz na Criação de Deus – Esperança e Compromisso” (Lucas 2.14)Trata-se de uma Peça de Teatro baseada na Palestra proferida pelo P. Dr. Haroldo Reimer por ocasião da 14ª Assembleia do Sínodo Norte Catarinense (SNC)ocorrida nos dias 04 a 05 de junho de 2011, em Rio Negrinho (SC)
CENA Única: A mesa está posta para o café da manhã. Dona Ilse é uma matriarca. Levantou mais cedo e está arrumando tudo com muito capricho. Ela dobra os guardanapos e os coloca cuidadosamente ao lado de cada prato. Daqui um pouco seu marido, seus dois filhos e sua filha vão chegar para o café de domingo. Ela tem prazer de fazer o que faz, pois gosta de ver a família reunida, em comunhão. Vai até o computador e permite que o som da Rádio União de Novo Hamburgo participe do momento com sua música de fundo. Primeiramente são os filhos (Júnior e Nilo) que vêm à mesa. Depois disso chega a Sílvia. Eles sentam-se e começam a se servir de café com leite. Depois disso vem o pai (Godofredo). Todos ainda estão tocados pela palestra que ouviram na noite anterior numa das salas da Comunidade Luterana da qual participam. Dona Ilse senta-se ao lado da sua família que conversa sobre assuntos triviais. Quem dá novo o rumo à conversa é o Júnior, seu filho caçula. No meio da conversa todos receberão a visita do Pastor Luis. É aí que o diálogo esquenta...
Júnior: Vocês perceberam a linguagem corporal do nosso pastor ontem à noite? Ele estava eufórico com a palestra daquele Pastor Doutor de Goiânia.
Sílvia: Acho que se eu fosse pastora também ficaria eufórica. Que palestra! Nunca ouvi falar sobre Ecologia a partir de um foco bíblico. Também fiquei impressionada.
Godofredo: Gostei da arrancada dele quando disse que a nossa Igreja não deveria trabalhar esse assunto como se fosse um simples tema do ano, mas como tema da década; do século...
Ilse: Achei muito correto. Se pensarmos bem, hoje, o que verdadeiramente está em jogo são as questões da própria existência humana.
Sílvia: Certo mãe! O pote de mel, por favor... Em cada palavra que ele proferia havia como que uma espécie de “gotas de esperança” pingando de sua fala. Eu me emocionei quando ele disse que Deus nos remete à esperança e à paz.
Nilo: Sabe mana! Alguns entendem isso daí como “utopia”.
Godofredo: Pois olha gurizada: Eu estava lendo um livro do Eduardo Galeano onde ele afirmava que a “utopia sempre está no horizonte; que cada vez que damos um passo em direção a ela, ela se afasta outro passo”. Entendo que a força de Deus que nos impulsiona à paz e à esperança não nos permite acomodamento.
Nilo: Concordo contigo pai. A Criação de Deus e o compromisso que temos com essa Criação nos remetem para dentro do nada onde a construção de um outro mundo para ser administrado com amor e cuidado é possível – sim senhor.
Ilse: Ele chamou essa construção de “heterotopia”. Nunca tinha ouvido falar nesta palavra.
Godofredo: (rindo) Ilse! Sempre é assim que as grandes mensagens de esperança são ditas a partir de lugares onde se experimenta sofrimento. A Bíblia está repleta de testemunhos assim. Deus sempre de novo pode nos promover a saída de todo o lodaçal que experimentamos.
Ilse: Como se ouve falar sobre Ecologia hoje em dia. Toda hora se fla nisto na televisão. Vocês já repararam?
Júnior: Está na hora de ser assim mãe. Hoe, a Ecologia, hoje, é tema global e, por isso mesmo, urgentíssimo. O mundo começa logo ali onde termina a área da nossa casa. Quem já não percebeu que os problemas ecológicos se mostram mais e mais?
Sílvia: Parece que estou vendo o nosso pastor com aquela fala emocionada: (empostando a voz) - A Bíblia diz que “no princípio criou Deus o céu e a terra”... A palavra “criar” significa “ganhar espaço em meio ao caos das águas” onde Deus cria o novo... A Criação é o espaço que Deus conquistou em meio ao caos...
Godofredo: O nosso pastor está certo Sílvia. Nos cabe manter a Criação de Deus; lutar para estancar o caos. Lembram do Salmo 104.24? Nele se fala das “variedades” criadas por Deus. Ora, se Deus retirar o Seu Espírito da Criação então ela murchará; morrerá. Deus está no fundamento de toda a criação e conta conosco para sua manutenção.
Júnior: Que coisa interessante. Pouquíssimas vezes em minha vida eu consegui me concentrar tanto numa palestra.
Ilse: Filho! Isso é porque este assunto anda mexendo conosco. A Bíblia diz que é em Jesus Cristo que toda a Criação será redimida. Li no Castelo Forte que os “gemidos da Criação são como os da mulher parturiente e o passo para se chegar à redenção desta Criação tem a ver com a esperança que os filhos de Deus podem gerar...
Godofredo: (cortando a conversa) Corretíssimo! A Criação é a expressão maior do amor de Deus; é o dom; é a graça; é a perspectiva. Deus é o Criador e nós somos as Suas criaturas. Nós não nos bastamos a nós mesmos, mas celebramos esse Deus que, junto da Sua Criação, nos encaminha para um fim no próprio Deus.
Ilse: Eu não tinha terminado meu ponto de vista Godô. O autor daquela meditação deixava claro que após os tempos de tribulação sempre continuará havendo a expectativa de um espaço novo; de “águas de descanso”, conforme o escrito do salmista no Salmo 23.
Júnior: Dê-lhe Mamã! O ser humano é imagem e semelhança de Deus e, portanto tem dignidade própria, frequente a camada social que frequentar.
Sílvia: Grande Júnior! Concordo contigo em gênero, número e grau. Agora, esse ser humano que tem dignidade própria também tem atribuições. Concorda comigo?
Júnior: Sem dúvida nenhuma! A Bíblia fala em “crescei e multiplicai-vos”. Esse mandamento nos dá uma tarefa para cumprirmos em meio a companhias e ambientes ameaçadores. Essa palavra bíblica não nos incentiva a “crescermos e multiplicarmo-nos” para sermos pessoas ameaçadoras do meio ambiente, mas para “cultivarmos”; para trabalharmos duramente não como “interventores”, mas como “guardadores”; como zeladores para que tudo esteja bem.
Nilo: Deixa eu ver se entendi. Nós somos os “mordomos da vida” que são chamados a administrar da melhor maneira estes descompassos; desajustes ambientais que estamos vivenciando em todos os lugares. É isso?
Godofredo: Na mosca meu filho... (As falas de Godofredo são quebradas pela campainha da casa...)
Ilse: Ué! Quem será?
Nilo: Vou ver quem é mãe...
Godofredo: Há muito para se fazer e nós como Igreja podemos ajudar...
Pastor Luiz: Bom dia povo de Deus. Pelo visto Cheguei na hora boa... (Cumprimenta a todos, um a um com deferência)
Ilse: Sente-se pastor. Tome um xícara de café conosco. Estavamos justamente cconversando sobre a palestra da noite de ontem.
Pastor Luiz: Vou dizer uma coisa para vocês: Aquela foi a melhor palestra que eu já assisti nos últimos tempos.
Nilo: Todos aqui concordam com o senhor.
Pastor Luiz: A Comunidade gostou. O seu Hercílio baixou a cabeça quando o nosso palestrante deixou transparecer que se derruba uma árvore por pouco dinheiro porque o desejo, a ganância é uma coisa que não tem fim.
Júnior: Ele derrubou alguns pinheiros. Li que uma árvore produz 300 kg de pinhão ao ano. Que perda!
Pastor Luiz: Temos que ir “plantando” esta consciência no meio de nós. Entendo que ontem foi um bom ponto de partida.
Godofredo: A trajetória humana dos últimos séculos tem sido marcada por voracidade. O nosso palestrante falou da “tecno-ciência” que cria “cumulatividade”.
Nilo: Que é isso pai. Não entendi bem...
Godofredo: “Tecno-ciência” filho, é essa “arte descontrolada” de se manejar os recursos da terra a partir de meios científicos. Quantas vidas já foram sacrificadas em nome do progresso a partir do desmatamento; da redução dos indígenas. Outro dia eu viajei pela Europa e vi aquelas catedrais. Atrás de cada uma se escondem navios e navios de ouro latino. Quanto sofrimento para gerar o progresso. Foi a “tecno-ciência” que criou a “cumulatividade” que desenvolve geneticamente os nossos alimentos. Creio que este comportamento nos levará à desgraça, mais cedo ou mais tarde.
Sílvia: Não seja tão drástico pai!
Pastor Luís: O teu pai não está sendo drástico Sílvia. O mundo cresce demograficamente em níveis aceleradíssimos. Gostei de ouvir o palestrante falando no “Sistema Ecocida” que a maioria das pessoas até já adotou.
Ilse: “Sistemos Ecocida” é aquele que mata a Ecologia?
Pastor Luiz: Neste Sistema se desmata uma área enorme sem se pesquisar a biodiversidade. Agindo assim, destruímos sem nos preocupar com as consequências. Observem que cada vez existe mais gente; mais automóveis; mais problemas que, em última análise, se tornam “imanejáveis”. Hoje se ouve falar em tsunamis; em variações de temperatura e em efeito estufa. No sul do Rio Grande do Sul já há desertificação.
Júnior: Meu professor largou uma boa esses dias. Ele disse que o vilão na emissão de gases na atmosfera so Brasil não é a indústria, mas os gazes originados dos bovinos.
Nilo: (rindo) Hoje isso ainda não nos assusta, mas se continuarmos nesse ritmo de intervenção humana, daqui alguns anos, os espaços destinados à soja já serão inviáveis. Há estudos sérios sustentando que já houve um encurtamento no ciclo das chuvas no Brasil.
Pastor Luiz: E de quem é a responsabilidade?
Godofredo: Boa pergunta...
Pastor Luiz: Estamos vivendo em níveis críticos. As emissões de gases estão 50% acima da capacidade de regeneração. Às vezes chego a pensar que já chegamos a um ponto sem retorno? Será que ainda dá para falar de paz na Criação como a IECLB está propondo?
Sílvia: Eu entendo o que o senhor quer dizer pastor. Nós fazemos parte de uma rede global. O Clube de Roma, já em 1972, afirmou que os recursos naturais podem ter fim. Encontros recentes como “Rio 92” não melhoraram nada deste caos porque ninguém quer descer do seu patamar – esse é nosso maior problema.
Nilo: Como pode que somos assim?
Ilse: Por favor. Entendam-me bem. A nossa vizinha sempre vem com uma conversa de que no passado distante as pessoas encontravam Deus na Natureza. De repente vamos ter que buscar reaprender com os indígenas; com os ribeirinhos a respeito destes elementos religiosos que, por certo, nos ajudariam a mudar esse momento vivido.
Júnior: A mãe está certa. A terra é um grande organismo vivo que faz trocas intermináveis. Se interferirmos num lugar, há interferências noutros lugares. A natureza é como uma casa viva que está perpassada por complexidades. E nós? Nós nem aí para ela.
Sílvia. Toda hora eu ouço falar de crescimento verde. Será que isso ajuda? O agro-negócio mata a fome do mundo. Hoje 60% da comida do Brasil é produzido em minifúndios. Será que podemos frear essa trajetória do agro-negócio?
Pastor Luiz: Olha, a Bíblia diz que somos simultaneamente “justos e pecadores”; sábios e idiotas. Nós não conseguimos nos dar conta que estamos caminhando para o buraco. Quer dizer, importa reaprender a sabedoria.
Godofredo: Outro dia, na internet, li uma velha frase de Martin Luther King: Creio que as pessoas que vivem para os outros conseguirão reconstruir o que os antepassados destruíram.
Pastor Luiz: Certo, mas isso só a partir da educação. Temos que continuar discutindo sobre estes temas. Estou contente com a noite de ontem – não escondo isso.
Godofredo: É! No Brasil há parceiros que não estão levando em conta as questões ambientais e nós não podemos cruzar os braços. A IECLB tem potencial enorme para contribuir. Há iniciativas aqui e ali. Temos que superar a letargia; olhar as iniciativas louváveis que já existem; reduzir; reciclar e recuperar o que pode ser recuperado. Temos que nos deixar sacudir por dentro.
Ilse: Como nos deixar sacudir por dentro Godô?
Pastor Luiz: Desculpe Godofredo. A pergunta da Ilse mexeu comigo. A Bíblia nos apresenta exemplos de “sacudimento interno” a partir do reconhecimento dos sinais causados pelos efeitos nefastos que acontecem no dia a dia. Não sabemos ao certo sobre os problemas que nos assolam, mas mesmo assim vamos em frente. Interpretar e tentar fazer; superar; dar passos em níveis superiores é o que se espera de nós; da IECLB como um todo.
Godofredo: Eu creio que, juntos, possamos dar saltos qualitativos além do nível em que estamos. Nesses ajustes ambientais quem mais sofre são os mais pobres. Vejam: No Chile morreram poucos com o terremoto por causa do seu conhecimento. Já no Havaí morreram inúmeros mais por causa do seu desconhecimento. Nós podemos dar saltos de qualidade; podemos incluir toda a Criação na vontade salvadora de Deus.
Pastor Luiz: Jesus veio salvar a pessoa. Somos parte da natureza. Não podemos nos desconectar do nosso planeta que é 70% água. Nós somos 70% água. Somos parte de um todo maior. Quando consumimos mais aceleramos a roda do crescimento econômico que, por sua vez, acaba ferindo mais o ambiente. Temos capacidade para tomarmos decisões alternativas.
Júnior: Li numa revista que a máquina consumista é uma espécie de “anticristo do consumismo” que precisa ser parada o quanto antes. O problema é como fazer isso!
Sílvia: Será que do jeito que as coisas estão andando não vamos acabar nos afogando na “praga do plástico”?
Pastor Luiz: Temos continuar dialogando até com outras culturas. A cruz é uma árvore que se tornou seca. A cruz também é um elemento próximo da natureza. Re-encantar a fé na Criação como obra de Deus é viável. Pensar; crer; ensinar e fazer liturgias – isso tudo nós temos capacidade de fazer. O todo que está aí é obra; é Criação de Deus gente.
Ilse: Minha mãe já me ensinava que o banheiro é capaz de indicar se existe saúde ou não numa casa.
Pastor Luiz: Correto Ilse. Nós podemos imitar Deus na misericórdia e no amor; superar a lógica do domínio. Não carrego a mínima dúvida de que dependemos uns dos outros e do ambiente em que vivemos. A nossa saída dos problemas tem que passar por um mínimo de vida comunitária pra tratarmos; para resolvermos; para apontarmos melhores caminhos.
Nilo: Tudo muito bom, tudo muito bem,, mas isso tudo é muito difícil.
Godofredo: Esse é o meu filho. Eu sei que não é simples Nilo. Algumas intervenções só têm efeito em longo prazo. O que não podemos é ficar de braços cruzadas.
Pastor Luiz: Lutero falou em “Sola Scriptura” (Somente a Bíblia). Que tal lermos os textos bíblicos também a partir da Ecologia. Lembram do Noé? Foi ele quem inaugurou a lógica sacrificial quando sacrificou o primeiro animal que lhe apareceu pela frente. Se todos têm dignidade, todos têm chance. Daí que “cultivar” é guardar (Gênesis 2.7); é observar ritmos de pausa; seis dias de trabalho e um de descanso. Em Êxodo 23.10-11 se lê que a terra tem direito de descansar; de parar de fazer o que está fazendo...
Júnior: É interessante que cultivamos tudo com afinco, menos o ócio.
Sílvia: Boa Júnior. Nós aqui, em pleno domingo de manhã, ao invés de nos envolvermos com coisas leves, propícias para um café domingueiro, nos envolvendo com esse tema pesado.
Pastor Luiz: Não fale assim Sílvia! : Com base na leitura de Deuteronômio 23.12-15 podemos dar meia volta; olhar para trás e reflitir sobre o que temos feito. O saneamento básico é 50% responsável pela saúde na face da terra. Outro dia alguém disse que o “capitalismo é como uma vaca que come capim e que vai deixando sujeira para trás”. Hoje, mais do que nunca, é preciso refletir-se sobre essa “sujeira” que fica; sanear-se a mesma. A Criação de Deus tem a ver com beleza falada no Salmo 104. Hoje essa “beleza” geme e sofre e, por isso mesmo, carece da nossa interferência refletida.
Godofredo: Sabe pastor. Estou convicto que Jesus não disse muita coisa sobre Ecologia. Mas me chamou a atenção que, num dado momento, Ele pediu que os Seus próximos “reparassem nos lírios do campo”. Isso me animou.
Pastor Luiz: Guardem isso: A espiritualidade vê, julga e age. É por isso que temos compromisso com esta proposta “ético-profética” com a qual Jesus Cristo nos abana. Sim, temos compromisso com o Reino de Deus e, portanto podemos celebrar a terra como um grande Corpo Vivo... (o pastor olha no relógio) Gente querida! Me perdi no tempo. Tenho Culto no Bairro Boa Ventura. Vou sair correndo (todos se despedem do ministro eclesiástico).
Ilse: Gente é domingo. Vamos tomar mais uma xícara de café. Que tal irmos passear em São Bento do Sul, agora à tarde? (As cortinas vão fechando).
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2 comentários:
Muito bom Renato!
Bravo! Bravo!....
Gostei.. Parabéns
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