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12.11.11

A Hipocrisia e a Cadeira 44!


Era domingo e eu tinha acabado de almoçar num dos bons restaurantes da capital dos gaúchos. Meu ônibus com destino a Florianópolis sairia às 23h da rodoviária e eu tinha a tarde livre. Comprei uma Zero Hora e logo me dei conta que o “time do meu coração” jogaria às 15h. Peguei um taxi e rumei pro Olímpico, onde logo comprei ingresso para as cadeiras. No bilhete lia-se: Fila G – Cadeira n° 44. Fui um dos primeiros a sentar naquele amplo espaço da arquibancada. O jogo seria em mais ou menos duas horas.

Saudades de Porto Alegre. Não demorou muito, dois senhores de meia idade sentaram-se, duas fileiras à minha frente. Os dois não se preocupavam em falar num tom de voz mais baixo. Afinal de contas era só eu ali perto deles. Eles gesticulavam muito e continuavam animados na conversa. Não me restou alternativa senão prestar atenção ao que diziam: Um deles disse:

- Rapaz! Eu me resguardo. Não me envolvo com a fé cristã de forma tão intensiva como meus parentes. "Eu rezo atrás do toco". Há muita gente hipócrita na Igreja. Não aguento isso...

Seu colega ostentava uma camiseta com as tradicionais listras azul, preto e branco. Nas suas costas se lia o número 10. Sua fala era mais mansa:

- Ô cara! Isso é um argumento ou uma boa descupa para não circular nos meios igrejeiros? Será que tu também não carregas uma pequena porcentagem de hipocrisia em ti?...

Eu estava ali ouvindo aquele diálogo. Queria me portar como um simples torcedor, mas era pastor. Eu não queria, mas minha cabeça se reciclou de forma instantânea para dentro de pensamentos mais “substanciosos”. Daí então lembrei da pesquisa feita com 1.400 pessoas adultas, onde se era informado que 72% dos entrevistados acreditavam que as Igrejas estão repletas de membros hipócritas. Aquela informação não podia ser jogada debaixo do tapete, assim, simplesmente. Quais seriam as razões para que a tal consulta chegasse àquele resultado? Sim, eu devia continuar prestando atenção na conversa dos dois. O senhor da fala mansa continuou:

- Li outro dia que em Nairóbi, no Quênia, há um templo cristão em cujo portal se lê: “Esta Igreja já está cheia de pessoas hipócritas, mas sempre há lugar para mais um.” Primeiro pensei que fosse piada. Depois me dei conta de que aquilo podia ser realidade. O artigo dava a entender que a tal Igreja estava lutando contra todo e qualquer tipo de hipocrisia. O homem de gestos largos se virou para seu companheiro e disse mais ou menos isso:

- Entendo o que tu quer dizer... Eu sei que a hipocrisia é um comportamento difícil de ser reconhecido, tanto em mim como nas pessoas que circulam ao meu lado. Quer saber de uma coisa? Penso que o hipócrita se equivale ao mentiroso.

- Certo! A diferença entre os dois jeitos de ser é que a hipocrisia não distorce os fatos com palavras, mas com comportamentos. E digo mais: tal como a mentira, a hipocrisia também pode ser vivida de forma consciente e ou até inconsciente.

Impressionante. Eu ali, querendo relaxar, enquanto a partida preliminar transcorria morna no gramado quente. E aqueles dois sujeitos matando meu ócio. Minha cabeça estava a mil. Uma pessoa hipócrita finge algo que não é; age como se, de fato, vivesse aquilo que prega; finge sentimentos, estados de espírito que, na realidade, não está vivenciando; estabelece normas de comportamento que ela mesma não consegue viver. Minha avó, quando queria passar a idéia de que fulana ou cicrana era hipócrita, costumava dizer: “Sugere água, mas bebe vinho”. O homem mais calmo prosseguiu:

- Usa-se a palavra “hipócrita” para caracterizar pessoas que tentam se passar como “santas.” Tais pessoas não vivem os valores individuais que pregam. Elas até estebelecem para si certos valores, mas o problema é que, no seu interior, elas mesmas não aceitam estes tais ideais. Vou te dizer mais uma. Uma pessoa hipócrita geralmente implode quando alguém se indigna; quando alguém emite um juízo de valor sobre ela. O indivíduo cai em si e então precisa ser acompanhado para que se reconstrua.

O pré-jogo se tornara desinteressante. Quem era aquele homem que falava com tanta sabedoria? Seria um psicólogo? Continuei apontando meus ouvidos, enquanto o sujeito de boné continuava seu discurso com a ajuda dos braços; das mãos; do semblante...

- Queres saber duma coisa? A hipocrisia está livre e solta, tanto na Política quanto na Igreja... Seu interlocutor cortou o seu argumento com fala mansa, mas contínua; cheia de sabedoria:

- Sim, o “faz de conta” está presente em todos os aspectos da vida. Tu já percebeu que há imagens falsificadas que, muitas vezes, são extremamente semelhantes às originais, mas mesmo assim elas continuam sendo falsas? Nós podemos carregar jóias falsas que brilham tal e qual as verdadeiras, mas elas não valem absolutamente nada. Até existem notas de dinheiro que são falsas e são muitos os comerciantes se deixam enganar com as mesmas. Da mesma forma, uma pessoa pode fingir-se de alguém que não é.

Os torcedores gremistas começaram a ocupar as cadeiras em levas de cinco, sete, dez... As falas dos meus pseudo-amigos ficavam cada vez mais inaudíveis. Eu via-os, mas já não os ouvia mais dialogando. Recostei-me à cadeira 44 e perdi meu olhar nas arquibancadas do outro lado, enquanto meu cérebro continuava escravizando minha vontade.

Decidi entender que a hipocrisia é percebida na Igreja, mas que isso não significa que todos os cristãos sejam hipócritas; que há pessoas que vivem em plena conformidade com a proposta de Jesus Cristo; que o verdadeiros cristãos levam a Bíblia a sério quando leem em 1 Pedro 2.1 que Deus os desafia a despojar-se de todas as hipocrisias.

Lembrei de Jesus que proferiu palavras muito duras para as pessoas que cometeram o “pecado da hipocrisia”; que no Seu tempo os líderes religiosos eram os grandes hipócritas da hora; que Deus odeia a hipocrisia, mas que Ele permite que ela aconteça; que Deus nos deixa livres para perseguirmos os nossos próprios objetivos.

Conclui que é fácil desviar-se do caminho quando se percebem “hipócritas” entre a irmandade. Daí então, até mesmo as pessoas não-cristãs deveriam deixar-se desafiar a não usarem a hipocrisia de certas pessoas como desculpa para afastarem-se de Deus. Sim, porque Deus não exige que acreditemos nos cristãos, mas nos pede que creiamos em Jesus. Eu, ali, naquele estádio, era uma pessoa cristã e tinha a oportunidade de mostrar ao mundo o que é um verdadeiro cristão.

Os alto-falantes começaram a dar a escalação do “tricolor dos pampas”. O estádio estava repleto de torcedores e eu ouvia cheio de adrenalina: Danrlei; Dinho; Paulo Nunes; Jardel...

3 comentários:

RENATO LUIZ BECKER disse...

Pastor, muito interessante, grata por compartilhar seu texto. Mande-os sempre. Abraços e bom feriado,
Daniele

RENATO LUIZ BECKER disse...

Oi, colega P. Renato! Agradeço pela lembrança. Mas, sempre dizem que "quem avisa, amigo é": sou colorado.
Enfim, não importa. Foi legal ler a reflexão. Abraço,P. Marcos Bechert

RENATO LUIZ BECKER disse...

Prezado Colega! Apesar de não ser gremista, gostei muito das matérias no seu Blogger. Continua firme. Gostaria de continuar recebendo as tuas reflexões. Abraço. Pastor Donirsio Carlos Becker

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