Busque Saber

6.6.11

P. Dr. Haroldo Reimer – Colunista de "O Caminho"


Estávamos em Rio Negrinho (SC), por ocasião da 14ª Assembleia do Sínodo Norte Catarinense (04 a 05 de junho de 2011) quando tratamos do Tema da IECLB: “Paz na Criação de Deus – Esperança e Compromisso”.

Nosso palestrante convidado, o P. Dr. Haroldo Reimer desenvolvia sua fala com alegria, enquanto nós, delegadas e delegados, nos “deliciávamos” com os conteúdos apresentados. Depois de tudo veio o tempo do cafezinho.

De repente, senti um abraço do Haroldo. Sentamo-nos mais a parte e foi ali, em torno de uma mesa que meu ex-colega, com seu jeito simples, me concedeu esta bela entrevista:

O Caminho: Interessante a maneira como abordaste o Tema do Ano...

Haroldo Reimer: O que? Tema do Ano? Esse tema deveria ser o Tema da década; do século. Sim porque hoje estão em jogo as questões da própria existência humana.

Caminho: Vi e ouvi que continuas marcado pelo signo da esperança!

HR: É Deus mesmo quem nos remete à esperança, à paz. Alguns dizem que isso é utopia. O Eduardo Galeano já dizia que a “utopia está no horizonte... que cada vez que damos um passo em direção a ela, ela se afasta outro passo”. Para mim, paz, esperança e Deus são forças que não nos permitem o acomodamento. Vou mais longe. A Criação de Deus e o compromisso que temos com essa Criação nos remetem para a “heterotopia”, esse lugar no meio do nada onde se pode construir outro mundo; outro espaço que pode ser administrado com amor e cuidado. Sempre é assim que as grandes mensagens de esperança são ditas a partir de lugares onde se experimenta sofrimento. Eu continuo jogando minhas esperanças em Deus que me ajuda a sair do lodaçal.

Caminho: Dá para se dizer que Ecologia está em alta!

HR: A Ecologia, hoje, é tema global e, por isso mesmo, urgentíssimo. O mundo que habitamos é uma grande casa. Melhor, o mundo começa onde termina a minha casa. Não é mais possível tapar o sol com a peneira porque os problemas ecológicos se mostram mais e mais. A Bíblia diz que “no princípio criou Deus o céu e a terra”. Nesta linguagem bíblica a palavra “criar” significa “ganhar espaço em meio ao caos das águas” onde Deus cria o novo. Quer dizer: a Criação é o espaço que Deus conquistou em meio ao caos. Daí que nos cabe manter essa Criação; fechar as trancas do caos. Gosto do Salmo 104.24. Nele se fala das “variedades” criadas por Deus. Se Deus retirar o Seu Espírito da Criação então ela murchará; morrerá. Deus está no fundamento de toda a criação.

Caminho: Tu és professor universitário, mas continuas pastor...

HR: Cristo é o Primogênito. Nele toda a Criação será redimida. Os gemidos da Criação são como os da mulher parturiente e o passo para se chegar à redenção desta Criação faz parte da esperança que os filhos de Deus podem gerar. A Criação é a expressão do amor de Deus; é o dom; é a graça; é a perspectiva. Deus é Criador e nós somos Suas criaturas. Nós não nos bastamos a nós mesmos, mas celebramos esse Deus como alfa e o ômega. Percebe: A Criação se encaminha para um fim no próprio Deus. Após os tempos de tribulação no presente sempre continuará havendo a expectativa de um espaço novo; das “águas de descanso” conforme o escrito do salmista no Salmo 23. O ser humano é imagem e semelhança de Deus e, portanto tem dignidade própria, frequente a camada social que frequentar.

Caminho: Certo! Mas então esse ser humano que tem dignidade própria também tem atribuições.

HR: Correto. A Bíblia fala em “crescei e multiplicai-vos”. Trata-se de um mandamento importante para ser levado a cabo em meio a companhias e ambientes ameaçadores. Essa palavra bíblica não nos incentiva a “crescermos e multiplicarmo-nos” para sermos os ameaçadores.

Caminho: isso quer dizer que o ser humano deve sujeitar a Criação.

HR: De vinte anos para cá se diz que o mais importante são as palavras “cultivar” (trabalhar duramente). “Para nós o ato de “cultivar” tem sido entendido como ação de “intervenção”. Ora, a grande lição de sabedoria está em “guardar” - zelar para que tudo esteja bem. Nós somos os mordomos da vida que são chamados a administrar da melhor maneira estes descompassos; desajustes ambientais que estamos vivenciando em todos os lugares. Sim, nós somos uma parte da vida.

Caminho: É interessante que sempre que se fala da Criação a partir da fé, entramos em conflito com outros segmentos do conhecimento.

HR: Essa discussão entre Criação x Evolução; Ciência ou Religião sempre marca posições de resistência. A Ciência nos ajuda saber, e isso já há duzentos anos. Darwin nos ajudou a criar a consciência de que nós humanos temos uma história mais longa. Outro dia alguém disse que “o ser humano é uma aparição quando falta um minuto para as 24h”. isso quer dizer que a história de Deus já é sem a presença do ser humano. Eu sei que em muitos espaços igrejeiros essa constatação gera conflitos, mas nós cristãos temos contribuição importante para dar. Em geral o nível de escolaridade é bastante elevado entre o povo luterano. Trabalhemos essa questão de que a fé e a Ciência nos dão respostas distintas sobre questões abstratas. Podemos usar estas duas “muletas” no engrandecimento do Reino de Deus – sim senhor.

Caminho: Se fala de um movimento humano que começou na África e que no Brasil temos 35 mil anos. Isso é verdade?

HR: Não creio. Nós brasileiros devemos ter uns 12 mil anos. Estamos conectados a nível mundial - sim. Este processo é antigo. As civilizações se instalaram em torno do Mediterrâneo. Lá houve trocas. Então, há quinhentos anos começa o nosso mundo globalizado. Passou a pensar-se e quem tem esta capacidade também consegue manipular tudo o que está fora do eixo. Vai daí que o mundo precisou ser “desencantado” e, assim, passou-se a retirar a “roupa religiosa” da natureza de forma um tanto brutal. A pureza passou a se converter num objeto. O que vale mais: Cortar ou manter uma árvore de pé?

Caminho: Aqui em Santa Catarina se diz que um pinheiro produz 300 kg de pinhão por ano.

HR: É! Quantos desses pinheiros não foram derrubados por pouco dinheiro? Desejo não tem fim. A trajetória humana dos últimos séculos tem sido marcada por voracidade. A “tecno-ciência”, essa (capacidade humana de se manejar os recursos a partir de meios científicos, está descontrolada. O progresso nos trouxe muito bem-estar e é quase impossível de se dar alguns passos atrás. Até hoje muitas vidas foram sacrificadas em nome desse progresso: desmatamento; redução dos indígenas. As catedrais européias – por exemplo – escondem navios e navios de ouro latino. Quanto sofrimento para gerar o progresso. Foi a “tecno-ciência” que criou a “cumulatividade” que desenvolve geneticamente os alimentos. Creio que este comportamento nos levará à desgraça, mais cedo ou mais tarde.

Caminho: Fale mais sobre isso.

HR: Estamos crescendo demograficamente em níveis aceleradíssimos nesta questão. Eu diria que vivemos dentro de um “Sistema Ecocida” onde se desmata uma área enorme sem se pesquisar a biodiversidade. Destruímos sem olhar as conseqüências: Cada vez mais gente; mais automóveis; mais problemas que, em última análise, se tornam “imanejáveis”: Tsunamis; variações de temperatura; efeito estufa. No sul do Rio Grande do Sul já há desertificação. Se diz que no Brasil o vilão na emissão de gases na atmosfera não é a indústria, mas os gazes originados dos bovinos. Hoje isso não nos assusta, mas se continuarmos nesse ritmo de intervenção humana, daqui alguns anos, os espaços destinados à soja já serão inviáveis porque houve um encurtamento no ciclo das chuvas. De quem é a responsabilidade?

Caminho: Sim, De quem é a responsabilidade?

HR: A Organização das nações Unidas – ONU diz que a causa desses desajustes são de origem “antrópica”; que vem dos humanos que hoje já são 7 bilhões de pessoas que precisam se organizar para viver. Já os Cientistas dizem que o “Colombo Negro” que saiu da África e se branqueou é o “ecocida”? O fato é que estamos vivendo níveis críticos. As emissões de gases estão 50% acima da capacidade de regeneração. Será que já chegamos a um ponto sem retorno? Será que dá para falar de paz na Criação? Nós fazemos parte de uma rede global. E agora? O Clube de Roma, já em 1972, afirmou que os recursos naturais podem ter fim. Encontros recentes como “Rio 92” não melhoraram nada deste caos porque ninguém quer descer do seu patamar. Aí vêm as discussões: Tenho necessidade de lenha para queimar; industrializar. Ora, o eucalipto cria um deserto verde. Pego a lenha do eucalipto ou a roubo da Mata Atlântica?

Caminho: Parece que se prefere roubar da Mata Atlântica...

HR: Alguns cientistas nos ajudam com o fomento de perspectivas. A mística medieval encontrava Deus na Natureza. Lutero disse que não, que só encontramos Deus na Bíblia e na cruz. De repente temos que buscar aprender com os indígenas; com os ribeirinhos. Eles têm elementos religiosos que nos ajudam a mudar o tom da nossa conversa. Ora, a terra é um grande organismo vivo que faz trocas intermináveis. Se interferirmos num lugar, há interferências noutros lugares. A natureza é como uma casa viva que está perpassada por complexidades.

Caminho: Crescimento verde: Será que isso vai nos ajudar?

HR: O agro-negócio mata a fome do mundo. Hoje 60% da comida do Brasil é produzido em minifúndio. Será que podemos frear essa trajetória do agro-negócio? Somos simultaneamente “justos e pecadores” (Sábios e Idiotas). Não conseguimos nos dar conta que estamos caminhando para o buraco. Importa reaprender a sabedoria. Martin Luther King disse um dia: Creio que as pessoas que vivem para os outros conseguirão reconstruir o que os antepassados destruíram. E a IECLB com isso? Educar. Nos auto-educar... Permitir-nos educar... Há exemplos bons entre nós... Temos que continuar discutindo sobre os mesmos uma vez que “se corrermos o bicho vai pegar e se ficarmos o bicho vai comer”... Não é fácil, mas algo precisa ser feito!

Caminho: Todos estamos diante de demanda crescente de recursos cada vez menores.

HR: No Brasil há parceiros que não estão levando em conta as questões ambientais e nós não podemos cruzar os braços. A IECLB tem potencial enorme para contribuir. Há iniciativas. Temos que superar a letargia; olhar as iniciativas louváveis que já existem; reduzir; reciclar e recuperar o que pode ser recuperado. Temos que nos deixar sacudir por dentro.

Caminho: Como nos deixar sacudir por dentro?

HR: A Bíblia nos apresenta alguns exemplos de “sacudimento interno”: Reconhecer os sinais dos efeitos nefastos no dia a dia. Não sabemos ao certo sobre os problemas que nos assolam, mas mesmo assim vamos em frente. Interpretar e tentar fazer; superar; dar passos em níveis superiores é o que se espera de nós. Podemos dar saltos qualitativos além do nível em que estamos. Nesses ajustes ambientais quem mais sofre são os mais pobres. No Chile morreram poucos com o terremoto por causa do seu conhecimento. Já no Havaí morreram inúmeros mais. Podemos dar saltos de qualidade. Incluir toda a Criação na vontade salvadora de Deus é uma boa pedida. Jesus veio salvar a pessoa. Somos parte da natureza. Não podemos nos desconectar. O planeta é 70% água. Nós somos 70% água. Que tal cuidarmos dela. Somos parte de um todo maior. Quando consumimos mais aceleramos a roda do crescimento econômico que, por sua vez, acaba ferindo mais o ambiente. Podemos tomar decisões alternativas; temos capacidade para isso...

Caminho: Li que a máquina consumista, este “anticristo” do consumismo, precisa ser parada. Como fazer isso?

HR: Será que do jeito que as coisas estão andando não vamos acabar nos afogando na “praga do plástico”? Que tal tentarmos medir a nossa “pegada ecológica”: quanto gastamos acima das possibilidades do nosso ambiente? Um cidadão americano gasta 400 x mais do que nós da classe “b” ou “c” aqui no Brasil. Dialogar com outras culturas não é ruim. Cristo não está só na cruz e ou só na Palavra. A cruz é uma árvore que se tornou seca. A cruz também é um elemento próximo da natureza. Re-encantar a fé na Criação como obra de Deus é viável. Pensar; crer; ensinar e fazer liturgias – isso tudo nós temos capacidade de fazer. O todo que está aí é obra; é Criação de Deus. Se o banheiro é capaz de indicar a medida do Índice do Desenvolvimento Humano; da nossa saúde, então façamos alguma coisa. Nós podemos imitar Deus na misericórdia e no amor; superar a lógica do domínio. Não carrego a mínima dúvida de que dependemos uns dos outros e do ambiente em que vivemos. A nossa saída dos problemas tem que passar pelo mínimo de Comunidade e esta está aí, ao nosso lado.

Caminho: Isso tudo não é tão simples de ser feito...

HR: Claro, eu sei que esta proposta não é simples. Algumas intervenções têm efeito em longo prazo. O cerrado, por exemplo, se recompõe de quando em quando. Podemos cuidar desse detalhe oportunizando-lhe descanso. Lutero falou em “Sola Scriptura” (Somente a Bíblia). Que tal lermos os textos bíblicos também a partir da ecologia. Lembram do Noé? Ele ficou estressado na arca e acabou inaugurando a lógica sacrificial quando sacrificou o primeiro animal que lhe apareceu pela frente. Se todos têm dignidade, todos têm chance. Cultivar é guardar (Gênesis 2.7); é observar ritmos de pausa (seis dias de trabalho e um de descanso). Em Êxodo 23.10-11 se lê que a terra tem direito de descansar; de parar de fazer o que está fazendo... Por que não cultivarmos também o ócio? Não fazermos nada no domingo?

Caminho: Desafie-nos!

HR: A partir da leitura de Deuteronômio 23.12-15, demos meia volta; olhemos para trás e reflitamos sobre o que temos feito. O saneamento básico é 50% responsável pela saúde na face da terra. Para ele “o capitalismo é como uma vaca que come capim e que vai deixando sujeira para trás. Hoje, mais do que nunca, é preciso refletir-se sobre essa “sujeira” que fica; sanear-se a mesma. A Criação de Deus tem a ver com beleza (Salmo 104). Hoje essa “beleza” geme e sofre e, por isso mesmo, carece da nossa interferência refletida. Jesus não disse muita coisa sobre ecologia, mas num dado momento ele pediu que os Seus próximos “reparassem nos lírios do campo”. O fato é que encantamo-nos com o chamado à descoberta das “belezas” que existem no mundo natural, a partir da fala de Jesus. A espiritualidade vê, julga e age, daí que temos compromisso com esta proposta ético-profética com a qual Jesus Cristo nos abana. Sim, temos compromisso com o Reino de Deus e, portanto podemos celebrar a terra como um grande Corpo Vivo.

Um comentário:

INAJARA disse...

Pastor Renato:
Excelente a forma de transmitir o importantíssimo e informador conteúdo proferido pelo Pastor Haroldo. Suas perguntas e colocações com certeza ajudaram a elucidar muito, dando um norte para este assunto tão sério. Que atinja o lado "ecocida" de todos nós!
Abração,
Inajara F.Villar Paiva (prima da Tuca).

OLHA SÓ!