Busque Saber

29.2.12

Quaresma - Pausa para o Perfeccionismo!


Em dez dias nós podemos fazer muitas coisas: comprar um terreno; nos livrar das espinhas e até emagrecermos cinco quilos. Conquistei tua atenção? Vem aí a Quaresma e nós teremos quarenta dias diante para tentarmos viver sem falsas ambições. Depois disso vem a Páscoa, a Festa da Ressurreição.

É do senso comum que não se pode dar mostras de fraqueza. Assim, continuamos dando tudo de nós no sentido de melhorarmos nossa vida. Será que esta postura não dá indícios de que nos auto-escravizamos? Claro que a ambição não é ruim, mas e se nós a usássemos neste tempo que antecede a Páscoa para nos policiarmos contra as falsas ambições que sempre de novo fazem casa em nós?

Emagrecer; ficar mais bonito; ser o mais inteligente – esses são “comandos” que já são inseridos nas nossas cabeças no tempo da infância e da adolescência. Reza a pesquisa que de cada três crianças em idade escolar, uma precisa ajuda para avançar nos estudos. Os pais desta “meninada” não cansam de deixar claro: para se adquirir um lugar na sociedade, há que se batalhar até as últimas consequências. No passado, quando as famílias eram maiores, estas expectativas se diluiam entre três ou mais filhos. Hoje, no entanto, as mesmas se concentram sobre um ou dois, ou seja, a pressão a qual as crianças estão submetidas tornou-se bem maior.

Observo os meus pré-confirmandos e percebo que seu “dia de trabalho” se assemelha ao dos adultos. Os pré-adolescentes têm que carregar um tremendo peso sobre suas costas. Peso que não é fácil de ser carregado, visto que se encontram em fase de desenvolvimento físico e emocional. Não fica só nisso. Se exige disciplina das meninas e dos meninos, enquanto praticam judô e ou futebol de salão; enquanto participam de aulas de música e ou de dança. Hoje em dia estes momentos de lazer se converteram em compromissos e claro, neles se espera o máximo de desempenho. Ora, as crianças também deveriam ter um tempo completamente livre para desfrutar a vida em contato com a natureza. Isso sempre fez, continua fazendo bem. Educadores do passado bateram nesta tecla com insistência. Aqui lembro de Pestalozzi.

Leio sobre muitas pessoas da Terceira Idade. Elas, sempre de novo, nas entrelinhas, deixam escapar que se pudessem viver novamente, cometeriam mais erros, não tentariam ser mais inteligentes do que verdadeiramente eram e que, também, não seriam mais tão higiênicas. Elas abrem seu coração e explicitam que, se pudessem voltar à adolescência, comeriam mais sorvete e menos verduras; que teriam mais faltas em sala de aula e que só tirariam boas notas por acaso; que andariam mais de roda gigante; que gastariam mais tempo na colheita daquela florzinha amarelinha conhecida como bem-me-quer. Pessoas que só se cobram por aquilo que deixaram de fazer, acabam esquecendo rapidamente daquilo que foi e continua sendo belo: um riacho; uma história contada; um pássaro que canta perto da janela.

Pessoas que tem algo a dizer na área da saúde concordam entre si: Hoje são muitas as pessoas que não vivem como manda a Medicina. Desgastam-se por demais com precauções para, mais tarde, morrerem saudáveis. O fato é que, mesmo as pessoas que morrem saudáveis, morrem definitivamente. Então, o que fazer na próxima Quaresma? Sugiro que nos treinemos, durante as sete semanas, a nos contentarmos com aquilo que é suficiente. Se agirmos assim, a satisfação vai brotar ao natural em cada um de nós. O nosso valor não está nas coisas que fazemos, mas na pessoa que somos.

A Quaresma é uma boa chance de santificarmos o o Domingo no nosso dia-a-dia. Neste tempo podemos decretar menos poder à nossa ambição. Sim, depois de um longo dia de trabalho, não necessitamos cozinhar uma refeição sofisticada e ou lavar toda a roupa suja que se encontra no cesto de roupas. De repente, já seria suficiente só passar a camisa que será usada no dia seguinte. Que tal?

28.2.12

Charges de Hermano Cortés e Frases soltas de Ricardo Gondim!


“Não desejo me sentir parte de uma igreja que perde credibilidade por priorizar a mensagem que promete prosperidade. O que dizer de homens e mulheres que ensinam essa “virtude” como degrau para o sucesso? Não suporto conviver em ambientes onde se geram culpa e paranóia como pretexto de ajudar as pessoas a reconhecerem a necessidade de Deus.”


“Sinto intolerância e ódio atrelados ao conformismo teológico. Preciso me manter aberto à companhia de gente que molda a vida pelos valores do Reino de Deus sem medo de pensar, sonhar, sentir, rir e chorar. Desejo a espiritualidade sem a canga do legalismo; do hermético fundamentalismo; dos dogmas estreitos dos saudosistas; da estupidez dos que não dialogam sem rotular.”


“Sinto intolerância e ódio atrelados ao conformismo teológico. Preciso me manter aberto à companhia de gente que molda a vida pelos valores do Reino de Deus sem medo de pensar, sonhar, sentir, rir e chorar. Desejo a espiritualidade sem a canga do legalismo; do hermético fundamentalismo; dos dogmas estreitos dos saudosistas; da estupidez dos que não dialogam sem rotular.”


“Não consigo admirar a enorme maioria dos formadores de opinião do movimento evangélico (principalmente os que se valem da mídia). Conheço muitos de fora dos palcos e dos púlpitos. Sei de histórias horrorosas, presenciei fatos inenarráveis e testemunhei decisões execráveis.”


“Não consigo admirar a enorme maioria dos formadores de opinião do movimento evangélico (principalmente os que se valem da mídia). Conheço muitos de fora dos palcos e dos púlpitos. Sei de histórias horrorosas, presenciei fatos inenarráveis e testemunhei decisões execráveis.”


“Eu preciso de lateralidade; de diálogo com as ciências sociais. Preciso variar meus ângulos de percepção. Não gosto de cabrestos. Patrulhamento e cenho franzido me irritam.”

27.2.12

Robinson Cavalcanti - Recife, 11 de setembro de 1992!


A notícia de que o Bispo Robinson Cavalcanti e sua esposa assassinados a facadas e que seu filho adotivo é o principal suspeito chocou-me agora mesmo.

http://www.pernambuco.com/ultimas/nota.asp?materia=20120227073634&assunto=70&onde=VidaUrbana

Convivi com este teólogo nos inícios dos anos 90. Naquela época escrevi um livro que ele prefaciou em Recife, no dia 11 de setembro de 1992. Nunca mais o vi, só li. Foi com saudades que reli seu carinhoso escrito:

Cristão não se preocupa com política. Renato se preocupa. Cristão não se mete em política. Renato se mete. Cristão deve fazer apenas discurso sobre política (“profetismo retórico”). Renato se engaja. Cristão faz simpósio sobre política em hotel cinco-estrelas, debate filigranas em salas de aula de seminário, pesquisa em confortáveis gabinetes, bibliotecas e museus. Renato atola os pés no barro. Estranhíssimo esse Renato! Parece que gosta de nadar contra a maré, com esperança de que ela reflua em seu favor. Em vez de escrever dissertação de mestrado ou tese de doutorado, Renato nos apresenta um depoimento vivo.

A IECLB é uma Igreja de alemães, com os pés aqui e a cabeça na Europa? Renato Luiz Becker, pastor da IECLB, assume a causa da justiça em terras de Santa Cruz (Alta) da cabeça aos pés. Evangelical só quer saber do céu? O evangelical Renato sabe o que é preciso fazer na terra enquanto o céu não vem. (“seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”), lamentando as limitações dos que só aspiram ao céu ou se esgotam na terra.

Abraham Kuyeper, pastor reformado, muda a face da Holanda, Martin Niemoeller resiste ao nazismo, o mesmo regime martiriza, Dietrich Bonhoeffer. Martin Luther King Jr. tem um sonho, que uma bala assassina quer transformar em pesadelo, mas que termina por socializar esse sonho em milhões de corações. Desmond Tutu faz tremer os alicerces do apartheid. Arriscados são os caminhos dos ungidos do Senhor, desinstalados e desinstaladores, que ousam além da rotina paroquial. Oscar Romero nos lembra que os que “perdem a cabeça” de João Batista ainda o fazem literalmente, enquanto que leigos conservadores ou clérigos amofinados apenas (e “bondosamente”) o fazem ao nível do simbólico.

Creio que nos anos 90 não vamos mais discutir se devemos ou não nos envolver na vida política, mas por que, como e para que: ética, métodos, partidos etc. Em uma sociedade de classes, os interesses de cada um poderão falar mais alto do que o núcleo comum dos valores do Reino, os cristãos estarão divididos, com interesses e projetos institucionais antagônicos. Os pastores voluntários ou de tempo parcial – e os leigos – levam a vantagem de serem menos vulneráveis, de terem menos ameaçado o leite de suas crianças.

O contexto externo, secular, pesará em nossa caminhada. O país fechou, a Igreja também. O país abriu, a Igreja idem. Esperamos que o país continue aberto.

Fico honrado em escrever estas palavras de apresentação do livro do Renato.

Embora de uma geração mais velha (tenho quase meio século de terráqueo), integramos a mesma confraria pioneira, martirizada, mas minoria em crescimento. Como Renato, sou cristão, protestante, evangelical, pastor, petista e... candidato derrotado a deputado estadual.

Renato, a Igreja precisa de nova Reforma, o país de nova Independência, a esquerda de uma nova Revolução, os teólogos progressistas de uma metanoia (conversão) de fé, humildade e coerência, a decaída natureza humana do constante milagre do novo nascimento.

Roma não se fez (nem se desfez) em um dia. A História é dinâmica. Não podemos fazer tudo, mas somos responsáveis por tornar o Evangelho relevante à nossa geração.

Os que têm fé no que esmagou a cabeça da serpente continuarão a andar descalços nos ninhos de cobra, não por vanglória, mas por obediência. Quem sabe, Renato, um dia, saradas as feridas, ânimo revigorado pelas orações dos imãos e uma rodada de chimarrão, você não possa dicionar um capítulo 4 a este seu livro: “O vice-versa do vice-versa” ou “Eleitores cristãos: ói nóis aqui travez”.

Sonhadores de todo mundo, unamo-nos!

22.2.12

Desesperar? - Salmo 37.7a


Aqui e ali sempre se pergunta: Onde está a justiça de Deus que permite a felicidade e o bem-estar de pessoas que não levam em conta os Seus Mandamentos? Para muitos de nós é assim que a maldade deve ser castigada e que a bondade precisa ser recompensada. Para o Rei Davi (v. 25) as pessoas afastadas de Deus até podem viver pequenos momentos de felicidade. Ele sustenta que, no fundo, Deus “ri dessa gente”, porque a felicidade que experimentam não é duradoura (v. 12-13). O Dia do Senhor está chegando e, nele, ficará evidente se a nossa felicidade é capaz de resistir diante da justiça de Deus.

Pessoas sofrem aflições, hostilidades, experiências de perda e dificuldades de todos os tipos. De repente, elas, como muitos de nós, devem ter se desesperado e então perguntado: - Como ir adiante? Esta pergunta nós nos fazemos quando temos a sensação de Deus não está fazendo nada por nós. O Senhor quer presentear às pessoas que clamam em oração a Ele com confiança; Ele quer gerar luz e vida nos vales escuros onde por ventura se caminha.

Confiemos no Senhor e não nos preocupemos tanto com nosso futuro. Deus corrigirá todos os nossos erros; Deus tem interesse em nos fazer o bem. (V. 5) Deixem de viver perigosamente. Nunca deixem de refletir sobre o que pode e o que não pode ser feito. Esperem, calma e confiantemente, pelos caminhos que Deus indicará quando experimentarem necessidades. Deus nem sempre responde os nossos pedidos prontamente, daí que “orar e trabalhar” continua sendo a melhor opção.

A nossa saída é sermos pacientes. O Senhor vai intervir – sim senhor!

18.2.12

Isso é Culto? Será! - Amós 5.21-24...


Reza a História que há 2.800 anos muitos pequenos colonos israelitas empobreceram devido à ganância de grandes “fazendeiros”. Assim, muito endividados, tornaram-se praticamente escravos de seus empregadores. Tudo parecia muito legal. Foi então que, em nome de Deus, o profeta Amós proferiu as seguintes palavras:

5.21 - O SENHOR diz ao seu povo: — Eu odeio, eu detesto as suas festas religiosas; não tolero as suas reuniões solenes. 5.22 - Não aceito animais que são queimados em sacrifício, nem as ofertas de cereais, nem os animais gordos que vocês oferecem como sacrifícios de paz. 5.23 - Parem com o barulho das suas canções religiosas; não quero mais ouvir a música de harpas. 5.24 - Em vez disso, quero que haja tanta justiça como as águas de uma enchente e que a honestidade seja como um rio que não pára de correr.

Amós percebeu que os israelitas gostavam muito de formas religiosas de Culto. O problema é que as belas liturgias e os lindos Cultos não combinavam com o tratamento aos empregados. Amós percebe este detalhe e abre o verbo. Para Amós o Culto precisa estar em sintonia com o dia-a-dia. Deus não vê com bons olhos uma celebração bonita que não se estenda para fora das portas do templo. Ele diz: - Estou com nojo de ouvir teus cânticos; para de tocar estes instrumentos! Para Deus o Culto precisa estar em sintonia com os Seus Mandamentos e com a Justiça.

Como é que alguém pode querer glorificar a Deus através de sua voz e ou de seu instrumento musical se, na intimidade do lar, tiraniza sua esposa e seus filhos; se no recôndito da sua empreza escraviza seus funcionários e ou seus subalternos?

Dietrich Bonhoeffer o nosso mártir evangélico disse numa das suas palestras em 1935: - “Só quem levanta a voz em favor dos judeus é que pode cantar hinos gregorianos.” Com certeza, esta foi uma palavra excelente durante o tempo de tirania nazista. Eu traduzo ela: Somente as pessoas que doam em favor àqueles que sofrem é que devem abrir a boca para louvar e prestar Culto a Deus. Você sente incomodado com esta palavra? Ótimo!

Deus quer encontrar-nos adorando-O em Comunidade no Culto e ali nos elevar; nos fortalecer. Ele não tem a intenção de nos punir, mas de nos exortar e lavar a sério a palavra de 1 Samuel 15.22 onde se lê: “É melhor obedecer a Deus do que oferecer-Lhe em sacrifício as melhores ovelhas.”

Hinos, orações e rituais não tem a capacidade de apagar nossas atitudes erradas; nossas ações injustas. Que Deus nos ajude a sintonizarmos; a harmonizarmos nossas atitudes no Culto com nossas atitudes na vida cotidiana. Que possamos nos converter em autênticos seguidores de Jesus Cristo.

17.2.12

QUASE COMO UM IPÊ!


Feliz aquele que confia em Deus, o SENHOR, que não vai atrás dos ídolos, nem se junta com os que adoram falsos deuses!” (Salmo 40.4)

As pessoas se parecem com o ipê! Por quê? Ora, ambos se desenvolvem alicerçados na esperança. Num dado momento do ano nos satisfaz olhar a “boniteza” de um ipê. Suas folhas são miúdas, mas em contrapartida as suas flores cobrem toda a árvore como se fosse um lindo vestido. O ipê tem seus dias bons, mas também precisa suportar muitas tempestades. É assim que depois dos ventos ele permanece cada vez mais firme.

Aí vem o outono e do ipê só se vê o tronco e os galhos finos. Cada indivíduo percebe que nesta época a beleza se afasta da árvore em questão. É que neste período a beleza das suas cores “tira um tempo” para descansar e, assim, esperar até que o novo “suco da vida” lhe promova mais bons momentos. O nosso Criador foi muito sábio quando ordenou a Criação. Alegremo-nos e agradeçamos por causa disso. Tal como o ipê acontece e “desacontece” á nossa volta, assim também as pessoas. Elas são jovens, bonitas, cheias de vigor e entusiasmadas para a ação. Elas, desse modo, vão cruzando os estágios que lhes são propostos, entremio às primaveras; os verões; os outonos e os invernos. Sim, elas sofrem muito, tanto na alegria como na tristeza e, no “final das contas”, delas apenas permanece um conjunto de restos. E então?

Há esperança. O Filho de Deus, Jesus Cristo, veio como uma criança até nós, seres humanos (Mateus 1.18-15). Foi através de sua morte na cruz, que Ele nos trouxe a salvação e, tal como Ele mesmo ressuscitou, também nos ressuscitará quando vier pela segunda vez como Rei e Senhor. O que podemos esperar depois disso?

Ouvi uma voz forte que vinha do trono, a qual disse: — Agora a morada de Deus está entre os seres humanos! Deus vai morar com eles, e eles serão os povos Dele. O próprio Deus estará com eles e será o Deus deles. Ele enxugará dos olhos deles todas as lágrimas. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor. As coisas velhas já passaram. Aquele que estava sentado no trono disse: — Agora faço novas todas as coisas! E também me disse: — Escreva isto, pois estas palavras são verdadeiras e merecem confiança.” (Apocalipse 21.3-5) Não haverá mais lágrimas, tristeza, dor, separação e morte. Isso não se trata de uma esperança maravilhosa?

Tenham fé e creiam na Palavra de Deus que brota da Bíblia. Nela há a possibilidade de se aprender muito. O nosso relacionamento com Deus nos converterá em pessoas esperançosas, gentes livres para viver a felicidade pensada por Deus.

Diaconia e Tainha frita na Chapa!



O sol estava quente. Saí debaixo do guarda-sol e fui sentar-me à sombra da árvore que, generosamente, estendia seus galhos sobre a areia da praia. O mundo é mesmo pequeno. Ali, bem próximo de mim, estava sentado o meu amigo Wolfgang.

- E aí Wolfgang?
- Oi Renato! Nossa, que alegria te reencontrar... A Valmi está contigo?

Sim, esse era o meu amigo diácono de tantas jornadas. Estava com a pele avermelhada. Fruto de descuido – pensei.

- Sim, está se despedindo da água do mar. Amanhã cedo vamos voltar pro batente na São Mateus.
- Que tal nos encontrarmos hoje à noite para matarmos a saudade?
- Muito bom! Às 20h no Arante?
- Combinado Renato!

Depois do banho, fomos ao encontro. O Wolfgang já estava sentado com aquele seu jeito “três por quatro” junto a uma das mesas do restaurante. Na sua frente uma Opa Bier geladinha e três copos. Folheamos o cardápio e pedimos tainha frita na chapa. Feito o pedido ao sorridente garçom, desfreamos o verbo...

- E aí Wolfgang? Sempre diaconando?
- Tal como a Valmi, sim!
- Vocês dois vivem a diaconia nos poros da pele. Eu gostaria de saber, de uma vez por todas, com palavras bem simples, o que é verdadeiramente a diaconia? Onde começa a diaconia? Onde termina a diaconia? Onde a diaconia acontece? O que faz a diaconia? O que diz a diaconia? Alguém de vocês pode me responder isso com palavra bem resumidas?

A Valmi e o Wolfgang se entreolharam para ver quem iria me responder. Pelo jeito a resposta à minha pergunta não carecia de nenhuma pesquisa.

- É Wolfgang! “Santa de casa” não faz milagre. Reponde tu pra esse meu marido...
- Simples Renato. A diaconia sempre tem a ver com o amor ao próximo e este, nunca deixa de ter a ventilação do Espírito Santo. É por isso que a diaconia se mostra em todas as frentes da Igreja. O que mais me impressiona é que a diaconia cumpre sua tarefa sem alarde e sempre com habilidade.

Ali, diante de mim, estavam dois diáconos profissionais. Dava de perceber que seu amor pela diaconia “vazava” no brilho dos seus olhos. Daí então ousei “mexer no vespeiro”...

- Diaconia – uma palavra apenas... O que ela significa? Qual é o seu sentido? Qual é o seu conteúdo? Qual é a sua diretriz? Ela tem um “fio vermelho”?

- Ora, ora Renato – emendou o Wolfgang – a diaconia, o amor ao próximo, se deixa “tingir” pela fé. A fé cristã é a plataforma a partir da qual a diaconia ajuda as pessoas. Quer dizer, a diaconia não pode existir por si só. O seu conteúdo são as pessoas “a cavalo” de sua fé. Você, Renato, sabe melhor do que ninguém que a diaconia pode se caracterizar como uma profissão. A Valmi é diácona ordenada pela IECLB. Já as pessoas que se doam em favor da diaconia, do serviço cristão, são chamadas de “voluntárias”.
- Entendi Wolfgang.
- Quero dizer mais uma coisa. As pessoas que diaconam com seriedade e compromisso reconheceram a diaconia por causa da sua fé.

A Valmi estava ouvinte como eu, mas nesse momento decidiu entrar na conversa...

- A diaconia precisa de pessoas que não façam muitas perguntas, mas de pessoas que fazem; de pessoas que colocam suas mãos na massa a fim de mudar a conjuntura; de pessoas comprometidas e, ao mesmo tempo, sensíveis; capazes de perceber onde é que o “sapato do outro aperta”.

Neste momento veio o nosso garçom com o prato desejado. Serviu-nos com maestria mesclada de simpatia. Ficamos em silêncio observando seu trabalho. O Wolfgang ainda precisava dizer alguma coisa. E claro, eu queria ouví-lo.

- A diaconia precisa de pessoas como nós; de pessoas cujos olhos reconhecem o sofrimento daquele que sofre; de pessoas cujas bocas estejam prontas a dar “nome aos bois”; de pessoas cujos ouvidos aprenderam a ouvir. Não ouvir somente aquilo que queiram ouvir, mas o que devem ouvir; de pessoas que percebem as necessidades dos outros, mesmo que estes anseios pareçam triviais; de pessoas cujas mãos ajudem os idosos, os doentes e as crianças; de pessoas que saibam usar boas palavras em momentos necessários; de pessoas que saibam ser a voz de quem não consegue mais emitir nenhum som; de pessoas que não falam por falar, mas que colocam todo o seu ser a serviço da boa mudança; de pessoas que não se pautem pelo dinheiro e pelas posses; de pessoas que tenham coragem de ajudar.

Segurei o garfo e a faca. A Valmi e o Wolfgang fizeram o mesmo. Bebericamos em silêncio. Silêncio que o Wolfgang se encarregou de quebrar...

- E o teu pastorado em Joinville? Como vai?...

14.2.12

LÁ NO MORRO DO CHAPÉU!


Corria o ano de 1987. Naquela época eu trabalhava como pastor em Cruz Alta (RS) Meu dia-a-dia estava sempre repleto de atividades. Meus filhos cresciam meninos. Minha esposa mostrava-se engajadíssima nas coisas da vida. Meu vigor aflorava em meio aos 33 anos de idade. Chamavam-me de criativo, comprometido com o novo. Naquela época, nós ministras e ministros da IECLB dávamos tudo de nós para momentos de comunhão. Lembro que eu amava por demais aqueles reencontros de três dias com meus amigos e colegas na Casa de Retiros, em Sapucaia do Sul. Sim, eu iria viajar em torno de 600 km com a Empresa Ouro e Prata. Organizei minha saída da Comunidade Luterana. Comprei a passagem e, depois de despedir-me dos meus, embarquei à meia noite numa viagem que duraria seis horas.

Dentro de mim estava tudo muito claro. Eu viajaria até Porto Alegre. Uma vez lá, viajaria de carona com ex-colegas da Paróquia Matriz, onde trabalhei como Pastor Auxiliar, no início dos anos 80. Bons sentimentos iam brincando dentro de mim quando nosso ônibus estacionou na rodoviária de São Leopoldo, à margem esquerda do Rio dos Sinos. O céu não estava mais escuro e sim muito azul. O sol começava a esquentar a manhã daquela primavera. De volta à BR 116 vi, pela janela do coletivo, a antiga fábrica de artefatos plásticos onde meu pai trabalhava em 1967.

A vida tinha sido dura conosco naqueles tempos. Estávamos em dificuldade. Lembro que a minha primeira refeição do dia resumia-se numa banana, numa xícara de café preto e num pão com melado. Sim, meus pais viviam uma enorme crise. Meus irmãos menores não percebiam o drama familiar. Eu estudava no Ginásio da Paz, pertinho da ponte do Rio Guaíba. A mensalidade do Colégio já estava atrasada mais de meio ano. O diretor da escola já tinha me chamado ao seu gabinete para uma conversa téti-a-téti. Meus sapatos estavam com a sola quase furada e minha mãe juntava todos os “troquinhos” para eu poder ir e vir, diariamente, nos velhos ônibus verdes da empresa Central. Confesso que me envergonhava dos meus colegas por causa da situação vivida.

Meu professor de Português marcou-me muito naquela época. Ele parecia desconsiderar minha classe social. Convidava-me a participar das pequenas peças teatrais que ele mesmo escrevia. Levava-me a séria nas minhas dificuldades. Desafiava-me a ler os livros da biblioteca. Exaltava minhas virtudes diante da classe. Por tudo isso, acabei tomando-o como um modelo. Nunca me esqueço de um passeio organizado por ele, ao Morro do Chapéu. Saímos da Escola bem cedinho, com destino à cidade de Esteio. De lá, a pé, nos deslocamos ao referido Morro. A cerração era fortíssima. Foi uma caminhada inesquecível. Ainda lembro o nome de alguns dos colegas. Agora, da minha viagem eu divisava o tal Morro. Vinte anos tinham se passado. Olhei para a minha mala e não titubeei. Iria repetir aquela caminhada. Assim, sem muito refletir, fiz sinal ao motorista de que iria descer. Desci numa das paradas de Sapucaia do Sul e, de mala em punho, saí cortando caminho por entre as vilas, os “pombais” da hora.

Caminhei muito. Eu estava forte, suando. Sim, eu iria terminar aquela empreitada. Andei, andei, andei... Num dado momento comecei a me distanciar das casas populares. Sim, era aquele o caminho. Mas, que estranho! Não havia movimento sobre a estrada que se mostrava abandonada, já há alguns anos. Aqui e ali cresciam arbustos no meio da mesma. Perguntei para um senhor que capinava seu pedaço de chão, sob o sol quente, logo ali sob o barranco. Ele informou-me que o velho caminho estava impedido. Que logo ali à frente havia uma cerca de arame farpado. Que o atual dono não queria que invadissem suas terras. Que era melhor eu voltar.

Refleti um pouco sobre a informação, mas mesmo assim, teimoso, segui em frente. Tinha gastado muita energia para dar meia volta, sem mais nem menos. Com cuidado, atravessei a cerca com seus “espinhos de aço”. Caminhei por dentro do mato. Confesso que fiquei com medo de encontrar alguma cobra. A decisão de voltar ficava cada vez mais difícil. Lá ao longe eu conseguia ouvir o latido de alguns cães. Segui em frente, me esgueirando por entre a vegetação que tinha tomado conta daquele caminho que, outrora, eu tinha trilhado com meus colegas da escola.

Naquelas alturas eu já não sentia mais prazer na minha aventura. Estava um pouco irritado comigo mesmo. Que bom! O dito morro parecia mais próximo. A vegetação foi escasseando e o caminho se re-definindo. Assim, fui percebendo que estava dentro de uma propriedade particular. Apressei o passo. Queria sair dali o mais rápido possível. De repente, um grito muito rouco e raivoso: - Alto lá!

Virei-me para o sujeito que gritava e vi que empunhava um facão. Dei meia volta e fui ao seu encontro, sem largar da minha mala. Ele, com a enorme faca em riste, me ouvia deixando escapar chispas de ódio dos seus olhos. Expliquei-lhe que era pastor da Igreja. Ele se fez de desentendido. Expliquei-lhe que eu, profissionalmente, desempenhava as mesmas funções que um padre da Igreja Católica. Mostrei-lhe minha Bíblia. Deixei claro que não carregava nenhuma arma. O fato é que eu estava com a adrenalina alteradíssima. Minha boca estava seca. Depois de muita conversa, pediu que seguisse em frente. Ficaria atrás de mim. Por uns quinze minutos, caminhamos em silêncio. Pela sombra que o homem projetava à minha frente, percebi que seu facão ainda permanecia em posição de ataque. Deduzi que aqueles poderiam ser meus últimos minutos de vida. E se o caminho que seguíamos não conduzisse para fora da propriedade? Comecei a pedir a ajuda de Deus, em silêncio.

De repente, a rua. O caminho novo. Mas antes dele, um enorme portão fechado com cadeado. Para cuidar do dito cujo, uma pequena família que morava num casebre ao lado. O sujeito do facão explicou a situação ao porteiro e este, desconfiado, trocou algumas palavras com sua mulher. Depois disso, abriu o cadeado girando a chave sem tirar os olhos de mim. Saí procurando dar passos seguros. Enquanto me afastava, não ousei olhar para trás. Segui em frente. Eu queria chegar ao meu destino. O Morro parecia perto. Logo notei que havia perdido o meu melhor casaco. Que importava? Eu tinha tido a chance de uma nova vida. Comecei a caminhar ligeiro. Depois de uns quinhentos metros, corri até perder o fôlego. Nisto, ouvi o ronco do motor de um automóvel. Era um dos meus colegas que vinha motorizado ao mesmo encontro. Freou o carro e ofereceu-me carona. Perguntou-me pelo por que da minha palidez. Depois de me ouvir, deu meia volta no carro. Fomos reclamar o casaco perdido. Ao estacionarmos em frente ao portão, fomos atacados pelo sujeito que me acompanhara até o mesmo. Embarcamos no carro e fugimos em disparada.

Contei a minha história num e noutros círculos. Fiquei sabendo que ali era um lugar muitíssimo perigoso. Que algumas quadrilhas da grande Porto Alegre usavam aquelas terras para desmanche de carros roubados. Que já havia acontecido assassinatos e “queimas de arquivo” ali naquelas paragens. Que mais uma vez, Deus tinha cuidado de mim. Hoje, vinte e seis anos depois, fico a pensar: e se o sujeito tivesse “me apagado”? Só depois de quatro ou cinco dias é que a minha família iria perguntar por mim. Os colegas reunidos simplesmente imaginariam que eu tivesse desistido do encontro e não se dariam a maiores preocupações. Memórias que hoje, resolvi repartir neste Blog.

9.2.12

No Marienplatz - em Munique!


Um dia destes acomodei-me sobre o sofá e assim, sem mais nem menos, fui me deixando embalar pelo barulho da chuva leve que caía sobre os impermeáveis telhados alemães. Não demorou quase nada, eu já estava ladeado pela companhia das minhas lembranças. Sem resistência aos meus clamores internos, fui esquentar água. Com arte, enchi metade da cuia com a verde erva mate, presenteada por amigos brasileiros. No fundo do meu ouvido deixei soar velhas cantigas da gaúcha Elis Regina. Enquanto isso permiti que meu pensamento voasse solto, porque sustentado pelas asas dessa saudade que, de vez em quando, bate compassada e gera frescor na minh’alma.

Tais momentos sempre me conduzem para a rua. Vesti-me adequadamente e lá me fui para ver o movimento, ver a vida acontecendo e, no meio de tudo, também ouvir as sirenes dos carros da polícia, me enxaguar da fria realidade, colocar meus pés no chão da cidade. Entremeio os barulhos ao ar livre, ouvi a propaganda do Circo Roncalli que viajava sobre um antigo caminhão. O som dos alto-falantes remeteu-me aos tempos de guri. Já vi ruins e bons circos. Ninguém vai ao circo por causa da grandeza ou do colorido de sua lona. Ninguém o procura só para mirar o elefante ou a girafa. Os trapezistas fazem o espetáculo, mas também não são o carro chefe. A diferença quem faz sempre é o palhaço. É ele quem traz a vida ao mundo edificado debaixo da lona.

Segui caminhando por sobre as calçadas e finalmente embarquei no metrô. Já acomodado a um dos seus bancos continuo instigado a não parar minha reflexão. Sim! A Igreja é tal como um “Circo” onde eu, o ministro, sou o palhaço. Posso atrair ou até afastar as pessoas da “arquibancada”. Luto para que fiquem ali. Que venham a crer. Que seu testemunho de fé brote e cresça ao natural na família e na vizinhança. Que experimentem da esperança da qual eu tenho experimentado. Com esse objetivo crio os programas, desgasto-me, empenho até a vida da minha família, muitas vezes.

De repente, aqui e ali, “uma gargalhada”. É a Palavra de Deus que atingiu; que mexeu com alguém. A pessoa atingida não mais se contentará em estar na “arquibancada”, sentada nas cômodas cadeiras, nos cômodos bancos. Ela tentará, isto sim, fazer parte do “Circo”: quererá pisar no tablado, maquiar o rosto, dar de si para o bem comum. “Pescar” pessoas de dentro da sociedade para que também tenham o privilégio de experimentar o que experimento. Isso não é uma loucura?

Desembarco do trem subterrâneo. Opto pelas escadarias. Não me atrai o elevador, nem tampouco a escada rolante. Lá fora está o Marienplatz (a Praça Central de Munique). A chuva se converteu em garoa. Abro meu guarda-chuva e fico atraído pelo belo cântico. Eu conheço a música que está sendo cantada em alemão. A voz feminina mexe comigo e cabe muito bem no lugar, repleto de turistas: - “Deus teu amor é qual paisagem bela…” Paro para ouvir e também conversar. A irmã está motivada a testemunhar com a “ferramenta” que bem domina: o canto. Muitos passaram. Já eu e outros paramos para ouvi-la. É assim que o Reino de Deus cresce: a partir do testemunho criativo de pessoas comprometidas com a proposta cristã. Cada um com seus dons, com seu “ferramental”.

7.2.12

Metanoia no Rio Pardinho!


Chovia pouco naqueles dias e o suor escorria das axilas. A estrada estava empoeirada e, nela, nossa turma caminhava descalça. Eventuais pedrinhas machucavam nossos pés que contatavam com a terra, nada mais do que isso. Seriam seis quilômetros de caminhada até o rio. O banho nas águas frescas do rio compensaria qualquer desgaste. Eu estava receoso. Descia-me um frio na espinha, uma espécie de medo que corria pelas minhas veias, pelo fato de não saber nadar e, também, por ter fugido de casa. Mas eu não queria perder a oportunidade do convívio com meus “amigos do peito”. Nossa caminhada transcorria num ritmo alegre. Sim, lá ao longe já podíamos divisar o mato que ladeava o “Rio Pardinho”.

Eu estava vivo e sabia que deveria “honrar meu pai e minha mãe”; que não poderia ter tomado a decisão de me ausentar de casa, sem pedir permissão. Aprendera essas verdades na Igreja quando participara do Culto Infantil, da Escola Dominical e, até, do Ensino Confirmatório. No entanto, a companhia dos amigos me era importantíssima e eu não queria perdê-los. Enfim, tomei a decisão de desobedecer outro dos bons Manda-mentos de Deus. Pessoas que estão “casadas” com a Lei são, sempre de novo, atraídas a ser infiéis à mesma. Como eu não fugia à regra, novamente, dei um “chute” Naquela que deveria me resguardar das “tormentas da vida”.

Finalmente o rio. O Léon subiu numa das árvores que ladeavam o barranco e amarrou uma corda, num dos galhos mais altos. Agarrou-se com as duas mãos à madeira roliça e, incontinenti, lançou-se sobre as águas, num salto acrobático de fazer inveja a John Weissmüller – o Tarzan dos anos 60. Todos faziam fila para experimentar aquela “delícia circense”. As árvores testemunhavam nossa liberalidade. O balanço do salgueiro e todo aquele verde somado ao azul do céu, cheio de nuvens brancas, parecia gostar daquela anarquia menina. Pensativo, coloquei-me à margem dos acontecimentos. A água fria batia nas minhas canelas. Sim, todos mergulhavam dando gritos e saltos de alegria. Naquela tarde fugidia, tudo estava permitido para todos, menos para mim. Mentiam-me dizendo que as águas não eram profundas. Brincavam com a minha inexperiência e a cabeça doía por causa disso. Deixei por isso e decidi dar um último passo em direção ao banho refrescante.

A água me envolvia. Debati-me muito enquanto as borbulhas de ar saiam pela boca. Os pés tocavam na areia e eu voltava a subir. O azul do céu misturava-se com a natureza. Eu, desesperado, queria gritar, mas a voz não saia da garganta e o “filme da minha vida” desenrolava-se no meu cérebro, ponto por ponto. Meu organismo ia enchendo-se de líquido e a morte abraçava-me com “abraço morno”. Sim, eu estava “desquitado da Lei” e, em consequência, sofrendo por este ato.

Meus amigos pensavam que eu estivesse brincando n’água. Lógico que aqueles poderiam ser meus últimos esforços e, então, tirei um berro bem do fundo da minh’alma: Nuurrrgghhh. Eu já sentia o “bafo da morte” ao meu lado. Tinha vontade de dormir e relaxar. De repente, uma força puxou-me para a margem e fui salvo. Todos se assustaram. A água escura insistia em sair aos borbotões do interior do meu organismo. Minha boca, meu nariz e minhas orelhas faziam o papel de “canos condutores” de sujeira para fora de mim.

Da pedra sobre a qual fui jogado, corriam filetes d'água. O céu estava azulado e emoldurado pelo verde claro e sadio da copa das árvores. O rio continuava calmo no seu leito, levando pequenos galhos, numa bonita viagem sobre a superfície. Limitei-me a encarar os amigos. Confiara demais naqueles companheiros que, até ali, considerara como riqueza de valor incalculável. Sim, eu repensaria meu modo de vida. Agora, necessitava da solidão.

Precisava meditar sobre aquele momento de desilusão que o “afastamento de Deus” me promovia. Deus mostrara Sua força num amigo. Há pouco eu cheirava o “cheiro da morte” e, agora, estava vivo. No meio do “burburinho” eu parecia ouvir Deus dizer: - “Quero contar contigo para um Projeto que tenho no coração – vêm”! Preciso dizer que me senti carregado por Deus, enquanto tomava o caminho de casa.

Eu tinha “apostado todas as minhas fichas” em pessoas. Não fosse um daqueles colegas, quem sabe, naquele momento, a guarnição do Corpo de Bombeiros da cidade já estivesse acionada. A decisão estava tomada: a partir daquele dia eu tentaria viver minha vida de modo diferente. Melhor dizendo, tentaria reconstruí-la sobre outros alicerces. Eu precisava tomar uma decisão. E assim, passaram-se alguns meses.

Certo dia, fui a um armazém da nossa vizinhança. Escorado ao balcão, estava um moço que puxou conversa comigo: - “Conheço teu pai. Vi tua família na Igreja outro dia desses. Quero te convidar para participar do Grupo de Jovens do qual faço parte. Aparece!... Reunimo-nos sempre aos sábados, das 20.00 às 22.00h. Estudamos a Bíblia e cantamos músicas cristãs. Praticamos jogos de salão, fazemos excursões e um bocado de outras coisas mais. Vais gostar. Vêm conferir!...”

Desanimado da vida eu tinha praticado atitudes que nunca sonhara tentar praticar. Assim, fui me deixando levar pela “correnteza” dos acontecimentos, mas isso não me trazia a paz. Não tinha sentido viver daquela maneira, só e afastado de tudo e de todos. Sim, aquele jovem acabara de me fazer um convite. Será que o mesmo tinha a ver com o projeto de Deus comigo? Será que Deus usara-o para acordar-me de um sono?

Aquele moço mexeu comigo ao convidar-me a participar de seu grupo. Claro que reagi com carinho àquela proposta. A sala estava iluminada. De repente, chegaram as pessoas. A roda cresceu e me aqueci com o “fogo do carinho” que me doavam. Então me lembrei da conversa que tivera com meu professor de Religião. Ele disse: - Sabe Renato! Um dia desses o apóstolo Paulo ficou assustado, ao descobrir que não era o “homem bom” que pensava ser. Depois dessa constatação ele se deu conta de que quando Deus abençoa uma pessoa, ela passa a não ter problema em reconhecer seu pecado. E é justamente esse estado de espírito à liberta do peso de precisar “brilhar” como filha de Deus na sociedade. Ela passa a aceitar-se com todas as agressividades que carrega no peito e isso, porque sabe que Deus já a aceitou tal como é. Ah que coisa boa o “ar” que se respirava naquela sala. Pois passei a ser membro ativo no referido Grupo.

Outro dia fui um Retiro de Lideranças. Senti-me importante, pois iria estreitar laços com a nova turma de amigos. Eu estava cheio de expectativas. Queríamos promover uma proposta cristã na sociedade santa-cruzense e o dia de sábado dilui-se em meio aos conteúdos que sorvíamos. Planejamos idéias a curto, médio e longo prazo. Esperança - isso mesmo, essa era a palavra da hora. Sonhamos; olhamos para frente e decidimos doarmo-nos em prol dos outros. Lembro que os olhos da turma brilhavam de expectativa.

Nas primeiras horas da tarde daquele domingo vieram os jogos de salão. Depois, mais um tempo de manuseio da Bíblia. Era bom e agradável conversar com o pessoal. Dava certa vontade de ficar morando por ali naquela sala. Amanhã já seria segunda-feira e tudo voltaria ao normal. Era preciso espichar ao máximo aqueles momentos de indizível prazer. Vimos que a humanidade estava afastada de Deus o qual não queria esse afastamento. Para mudar o rumo das coisas, Ele enviara Jesus Cristo ao mundo. Este, por sua vez, envolvera-se com mulheres e homens no intuito de fazer a reaproximação com o Pai, ou seja, construir pontes de acesso ao Reino de Deus.

Acesso que estava viável a cada um de nós, ali, naquele lugar. Bastava buscar-se a Deus em oração. Dizer-lhe que estávamos arrependidos de andarmos desgarrados do nosso “Bom Pastor”. Falar-lhe da vontade de recomeçar a vida sob Suas Idéias. Embarcar de uma vez por todas dentro daquele “barco” cheio da proposta cristã que levava à ressurreição. Tudo eram palavras que “martelavam” meu consciente.

A janta seria o sinal do fim daqueles momentos domingueiros. Inconformado, pedi que o encontro fosse estendido. Os líderes reagiram positivamente. Ouvi boas respostas para minhas perguntas. Minhas incertezas deixavam-se varrer, uma a uma, pela palavra segura da liderança. Enfim, às 23.00h organizou-se um círculo. As mãos foram dadas e começamos a orar.

Lembro que naqueles momentos de oração visitou-nos uma espécie de “vento” que invadiu a sala. Moças e rapazes que, antes, nunca haviam orado, agora oravam. Cargas de culpa eram liberadas dos ombros de quase toda turma. Ao cabo de meia hora aconteceram espontâneos abraços. E, depois que todos se ausentaram, fiquei ali, refletindo, repassando os conteúdos aprendidos. Mais tarde caminhei a pé, dentro da madrugada, rumo ao meu quarto. Considerava-me um filho de Deus. Sim, eu possuía este referencial desde a meninice. Agora estes conceitos tinham se aclarado dentro do meu ser, do meu viver. Faria tudo para nunca mais perder aquela certeza.

Abri a Bíblia e entendi o que nela estava escrito. Estudei-a e não consegui mais ficar quieto. Abria a boca dentro da sala de aula e nos espaços do Grêmio Estudantil. Comecei a engajar-me na sociedade. Outro dia fui convidado a fazer a pregação, num Culto Dominical. Ousei crescer e precisei de espaço. A vida passou a ser novidade prá mim. Coisas antigas não valiam mais quando aprendi que, em Cristo, sou um alguém, possuo um nome. Ficou-me claro que, enquanto viver, sou convidado a lutar contra o pecado. Entendi que Deus me equipa com todas as forças para tais intentos.

OLHA SÓ!